terça-feira, 26 de agosto de 2008

Do decrescimento à desconstrução da economia - Parte II

5/08/2008 - 12h08


Por Enrique Leff*

México, 25 de agosto (Terramérica) - A transição da modernidade para a pós-modernidade significou passar da anticultura, inspirada na dialética, para o mundo “pós” (pós-estruturalismo, pós-capitalismo), que anunciava o advento de algo novo. Mas esse algo novo ainda não tem nome, porque sabemos nomear somente o que existe e não o que está por vir. A filosofia pós-moderna inaugurou a época “des”, aberta pelo chamado à desconstrução. A solução para o crescimento não é o decrescimento, mas a desconstrução da economia e a transição para uma nova racionalidade que construa a sustentabilidade.

Desconstruir a economia insustentável significa questionar o pensamento, a ciência, a tecnologia e as instituições que instauraram a jaula da racionalidade da modernidade. Não é possível manter uma economia em crescimento que se alimenta de uma natureza finita, sobretudo uma economia baseada no uso do petróleo e do carvão, transformados no metabolismo industrial do transporte e da economia familiar em dióxido de carbono, o principal gás causador do efeito estufa e do aquecimento do planeta que hoje ameaça a vida humana.

O problema da economia do petróleo não é apenas, nem fundamentalmente, o de sua gestão como bem público ou privado. Não é o do aumento da oferta, da exploração de reservas e das jazidas dos fundos marinhos para baratear novamente o preço da gasolina, que passou dos US$ 4 o galão. O fim da era do petróleo não resulta de sua escassez crescente, mas de sua abundância em relação à capacidade de absorção e diluição na natureza, do limite de sua transmutação e disposição para a atmosfera em forma de dióxido de carbono.

A busca do equilíbrio da economia por uma superprodução de hidrocarbonos para continuar alimentando a máquina industrial (e agrícola pela produção de biocombustíveis) coloca em risco a sustentabilidade da vida no planeta, e da própria economia. A “despetrolização” da economia é um imperativo diante dos riscos catastróficos da mudança climática, se for ultrapassado o limite das 450-550 partes por milhão de gases causadores do efeito estufa na atmosfera, como prevêem o Informe Sterne e o Grupo Intergovernamental de Especialistas sobre a Mudança Climática. E isso apresenta um desafio às economias que dependem de seus recursos petroleiros (Brasil, México, Venezuela, em nossa América Latina), não apenas por seu consumo interno, mas por sua contribuição à mudança climática global.

A racionalidade econômica se implanta sobre a Terra e se alimenta de sua seiva. É o monstro que engole a natureza para expulsá-la por suas goelas, que exalam baforadas de fumaça na atmosfera, contaminando o meio ambiente e aquecendo o planeta. O decrescimento da economia não implica apenas a desconstrução teórica de seus modelos científicos, mas de sua institucionalização social e da subjetivação dos princípios que tentam legitimar a racionalidade econômica como a forma inelutável do mundo. Desconstruir a economia seria, assim, uma tarefa mais complexa do que desmantelar um arsenal bélico, derrubar o Muro de Berlim, demolir uma cidade ou refundar uma indústria.

Não é a obsolescência de uma máquina ou de um equipamento, nem a reciclagem de seus materiais para renovar o processo econômico. A destruição criativa do capital, que preconizava Joseph Schumpeter, não apontava para o decrescimento, mas para o mecanismo interno da economia que leva a “programar” a obsolescência e a destruição do capital fixo, para reestimular o crescimento insuflado pela inovação tecnológica como fole da reprodução ampliada do capital.

O crescimento econômico arrasta consigo o problema de sua medição. O emblemático produto interno bruto, com o qual se avalia o sucesso ou fracasso das economias nacionais, não mede suas externalidades negativas. Mas o problema fundamental não se resolve com uma escala múltipla e um método multicriterial de medida, como as “contas verdes”, o cálculo dos custos ocultos do crescimento, um “índice de desenvolvimento humano” ou um “indicador de progresso genuíno”.

Trata-se de desativar o dispositivo interno, o código genético da economia, e fazê-lo sem desencadear uma recessão de tal magnitude que termine acentuando a pobreza e a destruição da natureza. A descolonização do imaginário que sustenta a economia dominante não terá de surgir do consumo responsável ou de uma pedagogia das catástrofes socioambientais, como pode sugerir Serge Latouche ao pôr na mira a aposta pelo decrescimento.

A racionalidade econômica se institucionalizou e se incorporou à nossa forma de ser no mundo: o “homo economicus”. Trata-se, portanto, de uma mudança de pele, de transformar em vôo um míssil antes que exploda no corpo minado do mundo. A economia real não pode ser desconstruída mediante uma reação ideológica e um movimento social revolucionário. Não basta modelá-la incorporando outros valores e imperativos sociais para criar uma economia social e ecologicamente sustentável. É necessário forjar Outra economia, baseada nos potenciais da natureza e na criatividade das culturas, nos princípios e valores de uma racionalidade ambiental.

* O autor é ambientalista, escritor e ex-coordenador da Rede de Formação Ambiental para a América Latina e o Caribe do Pnuma. Direitos exclusivos Terramérica.

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