segunda-feira, 22 de março de 2010

Carta entregue pelo Sociedade Civil a Procuradoria Geral da Republica - 11/03

Excelentíssimo Senhor
Doutor Roberto Monteiro Gurgel Santos
MD. Procurador-Geral da República



Senhor Procurador-Geral,


As entidades de representação comunitária no âmbito do Distrito Federal, qualificadas ao final, devidamente representadas por quem de direito, e no exercício de suas atribuições estatutárias, vêm respeitosamente expor e requerer o que segue.

Desde novembro próximo passado o Distrito Federal enfrenta uma crise institucional de gravidade sem precedentes e todo o vasto leque de ilicitudes que permeiam da corrupção ao tráfico de influência, culminando com a tentativa de suborno de testemunhas, gerou na sociedade um estado de estupefação, indignação e revolta. A reunião dos fatos descortina um poderoso esquema criminoso, que há anos parasita, à sorrelfa, o farto aporte de dinheiro que todo o país destina ao Distrito Federal. A extensão e cupidez do esquema, envolvendo autoridades dos maiores escalões do executivo e legislativo (e, suspeita-se, também do judiciário e do Ministério Público local), é inédita e assustadora. Suspeito de tentar prejudicar as investigações sobre tais fatos, o governador encontra-se preventivamente segregado há mais de três semanas, em prisão ratificada pela denegação, no mérito, do habeas corpus impetrado perante o Supremo Tribunal Federal, contra ato digno dos maiores aplausos, exarado pelo Excelentíssimo Ministro Fernando Gonçalves.

A prisão do Governador José Roberto Arruda trouxe-nos a sensação de que nem tudo está perdido e, mais do que isso, que o lamentável incidente possa se constituir em ponto de inflexão no deplorável estado de complacência que se tem verificado na prática de crimes difusos contra a sociedade.

A partir desse fato inédito, os acontecimentos políticos na capital descambaram para uma situação que se pode chamar grotesca: a sucessão por um vice-governador notoriamente envolvido nos fatos que ensejaram o escândalo, o desagrado da opinião pública para com a sucessão espúria, os esforços debaldes para agarrar-se ao poder e, finalmente, a renúncia como saída quase honrosa do empresário Paulo Octávio.

Seguindo a ordem legal de sucessão prevista na Lei Orgânica, atualmente está como governador em exercício do Distrito Federal, o Excelentíssimo Sr. Wilson Lima. Segundo amplamente denunciado pela mídia, ele foi indicado ao cargo de presidente da Câmara Legislativa pelo então governador Arruda, como premiação por sua lealdade a qualquer custo. Em assim sendo, embora não se tenha conhecimento, até o presente momento, de seu envolvimento com o esquema criminoso ora sob investigação, integrou a estrutura política que dava suporte às ações investigadas. É normal, então, que já haja uma falta de confiança na sua isenção na condução do governo do Distrito Federal.

Já pesam sobre ele, inclusive, algumas suspeições na campanha de 2006. São de sua autoria mudanças de destinação de áreas especialmente na região do Gama, de onde é originário, havendo sua efetiva participação na aprovação do novo PDOT tão questionado e, a principio, muito maléfico para o presente e futuro do Distrito Federal.

Causou-nos estranheza tomar conhecimento na edição de 05 de março de 2010 do Correio Braziliense o fato de ter sido encaminhado à Câmara Legislativa, pelo governador em exercício, Projeto de Lei referente ao reajuste de remuneração dos integrantes da carreira de Cirurgião Dentista do Quadro de Pessoal do Distrito Federal, onde está inserido uma norma “submarino” que confere foro privilegiado a integrantes do rol de investigados. Não se oculta o propósito de usar o privilégio de foro na esperança da obtenção da impunidade, numa distorção inaceitável do instituto, originalmente pensado como garantia do exercício do poder político, e não como autorização e blindagem para a prática de malfeitorias. Vale a transcrição de trechos da matéria jornalística:

“PL que aumenta os salários de dentistas dá foro privilegiado ao chefe de gabinete e das casas Militar e Civil (por Lilian Tahan)
Publicação: 05/03/2010 08:52 Atualização: 05/03/2010 09:16
O governador em exercício Wilson Lima (PR) enviou à Câmara Legislativa no último dia 3 o Projeto de Lei (PL) nº 1.531, que aumenta os salários de cirurgiões dentistas contratados pelo GDF. A proposta que está para ser votada na Casa tem sete artigos, um deles sem o menor vínculo com o interesse dos odontólogos, o que no jargão político é chamado de submarino. O Artigo 5º do PL dá foro privilegiado ao chefe de gabinete e das casas Militar, Civil do governo.

A medida pode ser útil a dois integrantes afastados do governo em razão do escândalo da Caixa de Pandora: José Geraldo Maciel e Fábio Simão, chefe da Casa Civil e chefe de gabinete, respectivamente, na gestão do governador atualmente preso José Roberto Arruda (sem partido). Os dois foram afastados em função das revelações contidas na operação da Polícia Federal que investiga denúncias de corrupção envolvendo o alto escalão do governo, empresários e deputados distritais.

Como os dois não foram exonerados e são investigados no Inquérito nº 650 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a aprovação de uma lei com o artigo embutido pelo governador Wilson Lima lhes daria prerrogativas e garantias asseguradas aos secretários de Estado, entre elas o foro privilegiado. Isso significa dizer que processos penais eventualmente abertos contra os dois seriam julgados pelo Tribunal de Justiça do DF e Territórios (TJDFT).

O Inquérito nº 650 já tramita em instância superior por causa das citações contra Arruda, que tem foro no STJ. Mas se porventura Arruda renunciasse e o conselheiro do Tribunal de Contas do DF (TCDF) Domingos Lamoglia — também incluído nas investigações — fosse definitivamente afastado do quadro do tribunal, Simão e Maciel passariam a ser os puxadores de foro no processo”.

A referência a “puxadores de foro” e edição de leis casuísticas para criá-los revela o nível de degradação e desfiguração das instituições legais a que se chegou no Distrito Federal. A sempiterna corrupção que corrói as entranhas da política candanga pariu uma depravação que não tem mais qualquer pejo em exibir-se à luz do dia; a sucessiva queda dos aparentes cabeças do esquema parece não dissuadir os demais, sempre prontos a obter. Casos como o relatado acima nos levam a crer que os altos cargos do Executivo vêm sendo usados essencialmente para o fim de preservar o esquema apodrecido e seus beneficiários, e muito pouca atenção ao interesse público.

Fatos anteriores também observados no dia-a-dia de nossa Câmara Legislativa mostram a ausência dos princípios da moral e da ética em grande parte desses nossos representantes: flagrados em prática criminosa, tergiversam e tentam ludibriar a população buscando “estórias coberturas” a justificar imagens fortes reveladoras de atitudes inconcebíveis. A subserviência e a falta de compromisso com os verdadeiros interesses da cidade tornaram-se prática comum. O imobilismo inicial na tomada de providências para a apuração dos fatos revelados pela mídia e consequente punição aos envolvidos mostram a degeneração dos costumes naquela casa, desnudando, para a sociedade civil organizada, o conluio instituído entre eles com vistas à autopreservação do corporativismo sem medidas. A iminência da intervenção federal mudou-lhes o ânimo e passaram, então, a analisar em caráter de urgência os pedidos de impeachment do Governador, além de acenarem com a possível punição de três dos envolvidos nas filmagens. Ressalte-se que isto ocorreu depois de três meses de manobras e que os processos de impeachments têm sido usados como fachada de normalidade, na tentativa de afastar a possibilidade de que um interventor venha a legislar por decreto, temporariamente. O funcionamento da casa legislativa com a maioria dos deputados acostumada a trocas, barganhas e vantagens, como amplamente noticiado pela mídia, é descompromisso com o Estado Democrático de Direito e a representação popular.

Contudo, talvez por julgarem menos danoso a suas sobrevivências, deixaram de lado os citados nas gravações em áudio em poder da justiça. Agiram, pois, na defesa de seus interesses próprios. Espantou-nos ouvir um deputado estreitamente ligado a cooperativas habitacionais, alegar que uma intervenção levaria à paralisação no governo, impedindo que fosse logo consumada a ocupação da área do Catetinho. Não há limites para o descalabro. Assim é que já tivemos a recomendação dessa Procuradoria-Geral da República com pedido de intervenção federal nos enlameados poderes Executivo e Legislativo do DF e o ajuizamento de ação pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, solicitando anulação do Plano Diretor de Ordenamento Territorial (PDOT).

A corrupção é ruim não apenas porque é proibida por lei. Não só porque representa ameaça ao dinheiro público. Muito mais grave, a corrupção é ruim, sobretudo, porque solapa a confiança mútua que deve sustentar a sociedade entre pessoas. Este o sentido clássico do termo: numa sociedade corrupta, a depravação estabelece-se como parâmetro, e a conduta ética é vista como uma excentricidade, quando não como motivo de risadas. Como elucida Renato Janine Ribeiro, acerca da corrupção como um dos maiores “inimigos da república”:

“Qual a sua ideia de corrupção? É quase certo que você fale em desvio, por um administrador desonesto, do dinheiro público. É a ideia que se firmou hoje em dia. Mas, antes disso, a corrupção era termo mais abrangente, designando a degradação dos costumes em geral.

(...)

Pensar o mau político como corrupto e, portanto, como ladrão simplifica demais as coisas. É sinal de que não se entende o que é a vida em sociedade. O corrupto não furta apenas: ao desviar dinheiro, ele mata gente. Mais que isso, ele elimina a confiança de um no outro, que talvez seja o maior bem público. A indignação hoje tão difundida com a corrupção, no Brasil, tem esse vício enorme: reduzindo tudo a roubo (do ‘nosso dinheiro’), a mídia ignora – e faz ignorar – o que é a confiança, o que é o elo social, o que é a vida republicana”[1].

Pode-se então aferir que há uma corrupção meramente patrimonial e uma corrupção política e administrativa. É esta que a Constituição Federal pretendeu repelir quando instituiu a moralidade, no caput do art. 5º, como princípio básico da administração pública. Qual um câncer social, esta forma de corrupção, doença social grave, exige medidas extremas para sua cura e profilaxia, eis que compromete em demasia os pilares da república. Por isso mesmo, foi sábio o constituinte ao prever a intervenção federal, exatamente para resguardar, dentre outros princípios, a “forma republicana, sistema representativo e regime democrático” (art. 34, inc. VII, “a”).

O Distrito Federal é hoje, pelo que tudo indica, a mais acabada imagem dos efeitos deletérios da corrupção: toda a linha sucessória do governador, integra o grupo suspeito, excluído o presidente do TJDFT, que já declarou não ter interesse em exercer a governadoria e sua determinação em convocar, imediatamente, dentro dos prazos legais, eleições indiretas para governo do Distrito Federal, caso seja levado a exercer a função. Pode-se imaginar a fragilidade do Governo em todo esse período. E como ficaria a renúncia ou cassação do Governador afastado? E os Administradores Regionais? E as Secretarias de Estado, cujos titulares foram tão-somente substituídos por seus auxiliares diretos, adjuntos ou Chefes de Gabinete? E os inúmeros contratos de empresas de Deputados Distritais ou de seus familiares prestando serviços de diversas naturezas ao Distrito Federal e sem licitações? Atos que nos impedem de ter o mínimo de confiança e credibilidade nas ações emanadas desses nossos supostos representantes. São cenários indefinidos e conturbados, sem dúvida.

Convém ainda lembrar que um dos membros mais antigos deste mesmo grupo é apontado como preferido nas pesquisas de intenção de voto, não obstante ter sido levado a renunciar ao cargo de senador, em razão de denúncias de práticas ilícitas.

As manifestações de contrariedade ao pedido de intervenção demonstram o quão a corrupção dos costumes ramificou-se, contaminando os mais variados setores da sociedade civil. A representação dos comerciantes da cidade, outrora encabeçada pelo mesmo Leonardo Prudente que protagonizou o mais constrangedor dos vídeos reveladores da corrupção, parece mais interessada em preservar os conluios com deputados corruptos que lhes permita “benefícios” como alterações em destinações de terrenos ou o exercício do comércio onde bem queira, a despeito de vizinhança ou adequação, num capitalismo selvagem e aético.

O chamado “setor produtivo” (como se os trabalhadores do setor público e privado em geral não fossem “produtivos”) defende a preservação da atual situação política: suspeita-se de que a recente aprovação do PDOT (Plano Diretor de Ordenamento Territorial do Distrito Federal) foi fartamente irrigada por pagamento de propinas aos deputados. Hoje, essas denúncias, fortalecem as nossas antigas desconfianças. O texto produzido pela abjeta Câmara Legislativa é repleto de inconstitucionalidades, que ainda não foram analisadas pelo TJDF, visa ao nosso juízo, atender apenas a interesses econômicos (em detrimento do interesse público) e impõe mudanças francamente rejeitadas pela população.

Situação similar norteou a aprovação da Lei Complementar n.º 766/2008 que dispõe sobre o uso e ocupação do solo nos comércios locais sul, chamados “puxadinhos”. As significativas alterações na volumetria das edificações, que também acarretam aumento do porte dos estabelecimentos comerciais, configuram incontestável agressão à escala residencial, especialmente tutelada pela Portaria n.º 314/92 do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN, que regulamentou o tombamento federal do Conjunto Urbanístico de Brasília. Entretanto, o desrespeito à legislação de tombamento não foi impedimento para sua aprovação. Da mesma forma, esse desrespeito levou à expansão do Setor Sudoeste, em área não prevista em seu projeto original, e à implantação do Setor Noroeste, cujo projeto de parcelamento adensa o solo de forma excessiva e desconsidera, inclusive, o conceito urbanístico de superquadra, também protegido pelo tombamento. Tudo com a aprovação do IPHAN.

O evidente aproveitamento dessas terras para a especulação imobiliária e para atender interesses eleitoreiros e financeiros, específicos tanto de parlamentares quanto de membros do Executivo, constitui-se em práticas altamente lesivas ao interesse da comunidade. Brasília está sendo vítima da selvageria capitalista e da falta de compromisso de nossas autoridades, que visam mormente o lucro fácil, desmedido, em descompasso com as ações em defesa da sociedade e da legalidade que deveriam liderar. A ocupação da área conhecida como Setor Catetinho, ponto de recarga de aquíferos, está dentre inúmeras outras questões gravíssimas sumariamente desconsideradas pelo governo do Distrito Federal. Em suma, o círculo do mal instalado no executivo e legislativo brasiliense não só movimenta dinheiro escuso: mais grave, vem destruindo a passos largos o planejamento urbanístico e até mesmo as reservas ecológicas da capital.

Neste sentido, vale informar que organizações representantes da população, reivindicam de longa data, a exemplo de uma já antiga ação civil pública, a ação oficial visando a proteção do tombamento do Plano Piloto, ameaçado pela disseminação do caos sobre o combalido projeto urbanístico da capital. Após a edição da decisão judicial determinando a retirada das atividades comerciais ilícitas, a Câmara Legislativa do Distrito Federal entrou em guerra contra a população e a Justiça, editando leis que permitiam a atividade desconforme em áreas estritamente residenciais. Tais leis foram editadas sob os auspícios da mesma organização de comerciantes que já fora presidida pelo Sr. Leonardo Prudente, e que hoje integra o tal Fórum do Setor Produtivo que clama contra a intervenção.

Não é à toa que nos últimos vinte anos, período em que ocorreu a lamentável consolidação deste mesmo grupo no poder, o Distrito Federal vem passando por uma notável degradação com o apoio de grande maioria de parlamentares, que já aprovaram mais de duas centenas de leis inconstitucionais: o sonho de uma cidade planejada, organizada e justa esvanece-se num passado cada vez mais distante. Brasília é hoje uma metrópole descaracterizada, suja, violenta, descuidada e decadente, cercada por uma população miserável e sem perspectivas, que aqui chegou atraída pela promessa de lotes e benefícios fartos e fáceis, e que constitui curral eleitoral dos líderes do esquema desonesto, infelizmente ainda soltos, e em pleno gozo de seus direitos políticos.

São fatos altamente lesivos ao interesse da comunidade, mas que beneficiam fatias influentes do autodenominado “setor produtivo”, e que não estancarão até que ocorra a intervenção, que urge. Esperar que as instituições locais atuem para coibir as malfeitorias dos mesmos homens que as comandam é, no mínimo, um exercício de ingenuidade.

Ainda enfocando as manifestações contrárias à intervenção, verifica-se que os efeitos deletérios da corrupção espraiam-se por outros setores. Mesmo a Seccional do Distrito Federal da OAB teve sua reputação arranhada, perdendo sua função de grande defensora e representante da sociedade civil organizada. Agora reaparece para emprestar seu prestígio na luta contra a intervenção. Com efeito, é de conhecimento notório que tem hoje integrantes exercendo advocacia em prol do governador preso.

Nota-se também a adesão do principal órgão de imprensa brasiliense à causa contrária à intervenção. E aqui mais uma vez a metástase do câncer moral que acomete o Distrito Federal exibe seus sintomas deletérios: assim como a OAB, a imprensa, outro grande bastião da sociedade civil, foi contaminada pelo inacreditável apodrecimento moral.

É sabido que por ocasião da divulgação das denúncias sobre a corrupção em cadeia nacional (com o perdão do trocadilho), o Correio Braziliense, mesmo jornal que hoje empunha a suposta defesa da “autonomia” de Brasília, calou-se vergonhosamente, no vão esforço de ocultar da população local os fatos que já eram sobejamente conhecidos de toda a comunidade nacional. Incapaz de cumprir seu dever básico de informar adequadamente a população, é evidente que o jornal em questão perdeu também qualquer credibilidade e legitimidade moral para opinar de modo isento e aproveitável nos fatos da malsinada política candanga.

Em suma, sob a falaciosa bandeira da defesa da autonomia política brasiliense, instituições hoje relacionadas ou abertamente comprometidas de um modo ou outro com o grupo que levou Brasília ao atual estado de degradação moral lutam contra a intervenção. Do outro lado, encontra-se a grande maioria da população de bem, envergonhada e exaurida com toda essa depravação, que em pesquisas de opinião manipuladas tentam convencer a todos do contrário: trata-se aqui da mesma população que vinha apanhando nas ruas ao atrever-se a protestar contra os corruptos; trata-se da massa dos moradores honestos do DF; seria mesmo possível afirmar que se fala da comunidade nacional, estarrecida com o que vem ocorrendo com a capital do país, que anseia a intervenção, triste mas única alternativa viável para a esperança de restauração da moralidade.

O fato é que o que tolhe a autonomia da cidadania brasiliense é a corrupção generalizada, e não a intervenção, remédio previsto constitucionalmente. A intervenção, ao revés, virá exatamente a resgatar a autonomia cidadã das garras do esquema criminoso em que lamentavelmente se enveredou. É essa a aspiração dos cidadãos de bem desta unidade da federação: o uso do remédio legal e legítimo contra o mal da corrupção generalizada.

A denegação da intervenção só viria em benefício da preservação do esquema criminoso que comanda a política do Distrito Federal. Tais efeitos devem ser cuidadosamente sopesados pelo egrégio Supremo Tribunal Federal, atento à responsabilidade para com a lei e a ética no presente, bem como ao compromisso para com as gerações futuras, em construir um país mais digno.

Não se olvide, ademais, que a intervenção não retira a autonomia política da unidade federada, como maliciosamente vêm apregoando os discursos contrários. Ao contrário, trata-se de providência excepcional e com prazo definido, que irá suspender a ação de agentes políticos suspeitos, permitindo-se restaurar condições morais mínimas para a restituição da plena autonomia ao povo, esse titular do poder que vem sendo sistematicamente logrado pelos seus supostos representantes, no âmbito do DF. Se é possível nutrir a esperança de uma reconstrução moral no Distrito Federal, a ideia da intervenção afigura-se inevitável.

Afirmar, como o vem fazendo a representação processual do Distrito Federal, que a medida é desnecessária porque as repartições públicas vêm funcionando e não se vê sinais de convulsões sociais graves é equivocado. De fato, a intervenção impõe-se para reprimir e prevenir: reprimir os vários e poderosos tentáculos do esquema de corrupção, bem como a sangria nos cofres públicos e nos costumes da capital, que foi criada para ser um Distrito federal e não um Estado Federado; prevenir para que a revolta hoje latente na população não ecloda de modo mais estrepitoso que as inúmeras manifestações que normalmente vinham redundando em confrontos com militantes pagos ou com a polícia aparelhada pelo esquema. A Justiça não deve aguardar a instalação de uma provável convulsão social para poder agir – antes, deve ter a consciência e responsabilidade de evitar o conflito iminente; quando pode prevenir, não pode esperar para remediar.

É bem certo que remanesce um mínimo de ordem junto à população do Distrito Federal, ainda que a despeito da prisão do governador, da renúncia do vice-governador, da assunção de um político ao cargo de governador interino que incide na suspeita que naturalmente decorre da sua aliança com os diversos integrantes do suposto esquema criminoso, da constatação da podridão generalizada na política candanga, da continuação das malfeitorias, das manobras marotas para obstar os órgãos de investigação e julgamento, da omissão gritante do estado em deveres mínimos como o exercício adequado do poder de polícia. Entretanto, a incrível preservação da ordem apesar de todos os pesares acima apontados deve-se mais ao caráter ordeiro da população (alguns diriam ao comodismo) que à francamente falaciosa tese da normalidade dos fatos.

A idéia de aguardar a ocorrência de convulsões sociais, contrapõe-se ao princípio da razoabilidade e que o periculum in mora para a adoção da medida constitucional da intervenção equivale a verdadeira irresponsabilidade, jogar com a sorte num momento histórico tão difícil e angustiante. Não é demais prever que cedo ou tarde o povo honesto findará por cansar-se de apanhar de uma polícia servil aos poderosos corruptos, e a convulsão que a procuradoria do Distrito Federal aguarda acabará por ocorrer, com resultados gravíssimos, que poderiam ter sido evitados com a decretação oportuna da intervenção.

O fato é que não se pode falar em atentado à lei ou à autonomia caso o Supremo Tribunal Federal venha a editar a ansiada decisão determinando a intervenção. Ao revés, o instituto é devidamente previsto na Constituição Federal, representando forma de proteção ao próprio estado democrático de direito.

Cabe salientar que o Neoconstitucionalismo dispõe que os princípios contidos na Constituição passaram a ter força de norma e seguramente os constantes do art. 37, da Constituição Cidadã, estão longe do Distrito Federal. Importante lembrar o texto de Konrad Hesse (in “A Força Normativa da Constituição” (Die Normative Kraft der Verfassung)), magistralmente traduzida para a língua portuguesa pelo atual Ministro Gilmar Mendes, que na pág. 20, dispõe:

“ (...) Quanto mais o conteúdo de uma Constituição lograr corresponder à natureza singular do presente, tanto mais seguro há de ser o desenvolvimento de sua força normativa.

Tal acentuado, constitui requisito essencial da força normativa da constituição que ela leva em conta não só os elementos sociais e políticos, mas também que, principalmente, incorpore o estado espiritual (Geistige Situation) de seu tempo. Isso lhe há de assegurar, enquanto ordem adequada e justa, o apoio e a defesa da consciência geral.”

A gravidade da situação encontra perfeita síntese nas palavras do Ministro Gilmar Mendes: “ocorre em Brasília o que se chama de uma metástase institucional”. É evidente que tal metástase não se cura sozinha, mormente diante de seu avançado crescimento; para estancar sua fluidez, o único tratamento viável, com alguma chance de “salvar o paciente”, é sem sombra de dúvida, a intervenção recomendada pela própria Constituição Federal. Entendemos que a intervenção defendida por grande parcela da sociedade pode traduzir-se hoje, como sendo o “estado espiritual de seu tempo”, manifestado por Konrad Hesse. Há nessa sociedade um forte sentimento de mudança e que clama pela extirpação da metástase a que se refere o Ministro.

Sobre a pertinência, mais que jurídica, moral e restauradora, da necessária intervenção, vale a citação da opinião externada pelo jornalista Merval Pereira a respeito do assunto, estampada na edição do jornal O Globo de 25/02/2010 (p. 4):

“A decisão do Supremo Tribunal Federal pode vir a ser um estímulo para a recuperação da autoestima do Distrito Federal e, em consequência, uma sinalização para o resto do país.

Mas tem que ser uma solução que zere a pedra e favoreça um recomeço da atividade política na capital, evitando uma volta ao passado igualmente contaminado”.

Também vale ser citada a frase emblemática do Voto do Ministro Ayres Brito no HC do Governador do Distrito Federal, qual seja:

“Dói na alma e no coração ver um governador sair do palácio para a cadeia. Mas o fato é que há quem chegue às maiores alturas para fazer as maiores baixezas”

Assim, Senhor Procurador Geral, tendo em vista todo o relato acima, tomamos a liberdade de encaminhar para vosso conhecimento, parte significativa do material coletado ao longo desses últimos anos e que poderá provar que a sociedade por intermédio de suas organizações têm se desdobrado no cumprimento de seus deveres e hoje, mais do que nunca, demonstra seu interesse e esperança na determinação da intervenção, remédio amargo mas inevitável para a contenção da metástase moral que acomete o Distrito Federal já mais do que fundamentada na falência generalizada de suas instituições. A liberação do Distrito Federal das amarras da corrupção (o que passa necessariamente pelo afastamento de todo o grupo suspeito no poder, mediante a intervenção), permitirá que a população brasileira possa ao menos alimentar a esperança de que um dia a ética possa prevalecer na política brasiliense, permitindo então o esforço voltado a uma depuradora reconstrução.

Em face do exposto, requerem a consideração das informações acima e a juntada das mesmas aos autos do procedimento visando à intervenção federal no Distrito Federal, de modo a subsidiar o julgamento e demonstrar o apoio da sociedade civil à medida.

Respeitosamente,



Heliete de Almeida Ribeiro Bastos
CONSELHO COMUNITÁRIO DA ASA SUL – CCAS
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Raphael Rios
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Flávia Portela
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Regina Ayres Lacerda
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Representante dos Condomínios, Edifícios, Shoppings e Proprietários de Unidades do Setor
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Telefones: 3327-3216 / 3328-3216 / 9981-1221
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Elber Rocha Barbosa
CONSELHO COMUNITÁRIO DO SUDOESTE – CCSW
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Telefones: 3344-7844 / 9971-2798
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Luiz Mourão Sá
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Representante de 38 ONGs Ambientalistas do DF
Telefones: 9982-9083
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luizmourao@ida.org.br

Argos de Faro Coelho
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Representante das Associações de Moradores do Lago Sul
CNPJ 33.485.046/0001 -5
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Nisio Edmundo Tostes Ribeiro
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CNPJ 07.415.423/0001 -11
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Benedito Antônio de Sousa
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Jorge Dantas Dias
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Telefones.: 3367-5152
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Natanry Ludovico Lacerda Osório
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Telefones:3367-6206 / 9205-0907
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Robson Aurélio Neri
CONSELHO COMUNITÁRIO DE SEGURANÇA DO PARK WAY
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