quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Tradição sob ameaça na Parnaióca - Ilha Grande, RJ.

Por Gerhard Sardo*

http://gerhardoambientalista.blogspot.com/2009/01/parnaica-ilha-grande.html


Depois de expulsos da praia da Parnaióca por força das inúmeras fugas de presidiários da Colônia Penal Cândido Mendes, em Dois Rios, os herdeiros dos moradores tradicionais da região agora estão sendo cerceados nos seus direitos de propriedade pela ação das autoridades públicas.




A praia da Parnaióca, que os índios chamavam de “abrigo do mar”, vem sendo objeto de desejo de inúmeros grupos de investidores do ramo turístico- imobiliário desde a desativação do antigo presídio. Sua fragilidade legal tornava-a uma área cobiçada, uma vez que até pouco tempo não estava definida como parte integrante de uma unidade de conservação de proteção integral. Com a ampliação da área de domínio do Parque Estadual da Ilha Grande, determinada pelo decreto estadual nº 40.602, de 12 de fevereiro de 2007, seus ecossistemas foram perpetuados, mas a indefinição sobre a garantia de permanência dos moradores tradicionais do local vem ganhando destaque dentro do novo contexto.




Filha de João de Oliveira e Zaira dos Santos Oliveira, neta de Álvaro Alves de Oliveira (último morador da praia), bisneta de Tertuliano Alves de Oliveira (Velho Bedeco) e tataraneta de Antônio Alves, a turismóloga Janete de Oliveira Farias, 46, nascida na Parnaióca, tem se engajado na defesa dos direitos dos herdeiros da comunidade tradicional da praia. Como proprietária de um camping no local, busca, sem sucesso, desenvolver práticas de manejo ecológico e ecoturismo. Seu problema reside no fato de que, apesar das evidências de que é herdeira do único inventário onde a Justiça reconhece a posse das terras da sua família - que chegam a alcançar 188 mil metros quadrados - dirigentes de órgãos públicos vem criando dificuldades para regulamentar sua única fonte de renda no local: o camping. Já como presidente da Associação de Moradores Tradicionais e Amigos da Parnaióca – AMOTAP, que fundou em 07 de outubro de 2007, vem trabalhando incansavelmente pela definição de políticas públicas socioambientais que atendam as demandas dos seus associados. A intenção da líder comunitária é assegurar o cumprimento da lei estadual nº 2.393, de 20 de abril de 1995, que dispõe sobre a permanência de populações nativas residentes em unidades de conservação do Estado do Rio de Janeiro.




Não há dúvida que por sua posição geográfica privilegiada na Ilha Grande, a praia da Parnaióca detém uma função estratégica na implantação do Parque Estadual da Ilha Grande, e por isso deve ser um exemplo de diálogo dos órgãos públicos com sua comunidade tradicional.




O tempo da intolerância já findou. Hoje exigimos o diálogo. Que os direitos dos herdeiros da comunidade tradicional da praia da Parnaióca sejam respeitados.




*Gerhard Sardo é jornalista, analista ambiental e membro titular na Câmara Técnica de Biomas e Áreas Protegidas do Conselho Estadual do Meio Ambiente. Site: www.gerhardsardo.com.br

Um pouco de mercado para o Cerrado

Aldem Bourscheit
19/01/2009, 16:00


Nascido em Molfetta, na região de Puglia, o “salto da bota” que dá forma à Itália, Gennaro Salvemini começou bem cedo a lidar com os segredos dos alimentos. Aos 13 anos, já experimentava e se encantava com os aromas e os sabores da saudável cozinha mediterrânea. Formado em Gastronomia, aportou em Pirenópolis (GO) há mais de uma década, onde conheceu o baru, o pequi e outros frutos do Cerrado. Mergulhou nessas possibilidades, elaborando receitas com fortes traços italianos e sotaque brasileiro.

Migrar da cidade histórica para a capital Goiânia foi questão de tempo. Lá, fundou a Nonna Pasqua, onde aproveita a diversidade da natureza em produtos variados, como licores, doces, conservas e molho pesto. Nesse item típico do cardápio italiano, os tradicionais pignoles foram substituídos com louvor pelo baru, castanha nativa e muito nutritiva do Cerrado. “Quando cheguei aqui (no Brasil), o baru era praticamente desconhecido. Mas é uma noz de mil utilidades na gastronomia. Realmente única”, enfatiza Salvemini.

Sempre apostando em matérias-primas regionais com valor agregado, a empresa vende todo mês, por exemplo, 400 quilos de castanha de baru torrada e cerca de duas mil garrafas de Baruzetto (licor feito com a castanha, imagem acima). Pode parecer pouco para certos sonhos de gigantismo comercial, mas seus produtos são encontrados em lojas do Distrito Federal e das regiões Sul e Sudeste. “Assim também divulgo o baru para outros pontos do país”, diz o italiano, que vê no horizonte próximo a exportação para países europeus e da Ásia. O Japão vai receber castanha de baru, ainda este semestre.

Criada em 2005, também na capital goiana, mas com fábrica no município de Aparecida de Goiânia, a Iguarias Produtos Alimentícios descobriu no pequi uma oportunidade para promover a economia local e estadual com a produção de conservas, molhos e cremes. O fruto amarelado é o carro-chefe da empresa, cujos frascos são encontrados em prateleiras de Goiás, Distrito Federal e até do Amazonas. Nos últimos três anos, consumiram cerca de dez toneladas de pequi.

“É um bom nicho de mercado, mesmo com outras empresas já o explorando. A estrutura de produção não precisa ser muito grande. Mas como o pequi tem sabor e cheiro muito específicos, há certa dificuldade para se abrir novos mercados”, comentou André de Castro, proprietário da Iguarias.

Confiando em produtos mais gelados, mas não menos saborosos, a Sorbê também nasceu há pouco mais de três anos. Fabrica sorvetes e picolés artesanais em Sobradinho (DF) e vende seus produtos em quatro lojas do Distrito Federal. Além de itens da Mata Atlântica e da Amazônia, 17 frutos do Cerrado são aproveitados, como araticum, pequi, jatobá, mangaba, macaúba, cajuzinho e cagaita. Uma tonelada de cada fruta é consumida por ano.

Segundo Rita Medeiros, uma das proprietárias do empreendimento familiar, a idéia sempre foi ampliar a variedade de sabores, fugir do tradicional. Daí a aposta nas frutas nativas, principalmente do Cerrado. Esses representam por volta de 20% das vendas. “Há resistência pelo desconhecimento dos sabores. Frutas tradicionais ou mais conhecidas, como açaí, cupuaçu e maracujá, além da tapioca, lideram a comercialização”, conta.

Da árvore para a fábrica


Seja sorvete, creme de pequi ou pesto com baru, um ponto em comum em sua fabricação é a dependência do extrativismo, da coleta de frutos e castanhas de árvores e arbustos em porções preservadas de Cerrado. Raramente esses itens são encontrados nas prateleiras dos supermercados ou têm fornecimento contínuo garantido – suas safras ocorrem em períodos diferentes do ano. O pequi, por exemplo, de novembro até meados de janeiro, no máximo. “A vegetação nativa do Cerrado é alvo histórico de extrativismo. Hoje há um comércio forte ligado às safras e alguns produtos ganham certa escala comercial”, avalia José Carlos Souza e Silva, do Núcleo de Recursos Naturais da Embrapa.

As frutas usadas na Sorbê, conta Rita Medeiros, são obtidas a partir de parcerias com extrativistas dos municípios goianos de Damianópolis e de Pirenópolis, além de São Félix, no Tocantins. “E tudo que recebemos deve ser imediatamente congelado, para não perder o sabor”, explica.

Já a produção da Nonna Pasqua é garantida por pequenos produtores de outros municípios de Goiás, como Bom Jardim e Jussara. Nesses locais, cerca de 200 famílias se mobilizam a cada safra para colher baru, direto do pé. “Antes, carvoarias torravam o Cerrado. Agora, famílias e fazendeiros estão até plantando baruzeiros”, revela Gennaro Salvemini.

Conforme Carlos Silva, da Embrapa, ao contrário da maioria dos frutos do Cerrado, os amazônicos açaí e cupuaçu têm alta produção por árvore, mesmo com extrativismo. Por isso, ganharam maior escala comercial e caíram no gosto de brasileiros, de norte a sul. Enquanto isso, na região central há ilustres desconhecidos, como mama-cadela, gabiroba, ingá, araçá e pimenta de macaco. “Seu consumo é quase restrito a populações locais, isoladas, mesmo que o brasileiro esteja se tornado mais receptivo a novas opções”, disse.

Outra ponta do sistema

Por essas e outras que cooperativas e associações de produtores vêm se organizando e criando sua própria economia, cada vez menos informal, e abrindo espaços no mercado, no peito e na raça. Assim fez a Cooperativa dos Produtores Rurais e Catadores de Pequi de Japonvar (Cooperjap), do interior de Minas Gerais. Criada há exatos dez anos, reúne hoje pouco mais de 200 famílias dedicadas a colher e preparar frutos que são transformados em óleos, doces, polpas e licores. “Tudo é coletado em fazendas, quintas e também há pequenos cultivos. Temos dez toneladas de polpas congeladas de frutas nativas do Cerrado em nossa câmara fria”, conta José Antônio Alves dos Santos (57), presidente do grupo, pequeno produtor rural e catador de pequi desde criança.

O sucesso da Cooperjap poderia ser medido por seu tempo de vida e número de pessoas que ajuda a sustentar, mas vale citar, também, as vendas feitas há mais de um ano para Itália e Estados Unidos. A terra do Tio Sam recebeu duas toneladas de polpa e caroços de pequi, comercializadas a partir de um escritório paulista. “Antes, vendíamos em beira de estrada, a preço de banana podre. Agora estamos organizados e agregamos valor à produção. O pequi vai amarelar o mundo”, diz Santos.

Apesar das vendas no Brasil e para o exterior, o principal comprador dos produtores de Japonvar e de várias outras cooperativas ainda é a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). A estatal adquiriu, só em 2008, 142 toneladas de pequi (polpa e caroço) e 237 toneladas de baru (castanha e farinha) de pequenos produtores. Todos os alimentos são repassados, por exemplo, à merenda de escolas públicas. A Cooperjap vendeu por volta de 5 toneladas de produtos com pequi ao organismo federal em 2008.

Fina estampa

Quem vê produtos de cooperativas como a de Japonvar (imagem acima), com rótulos e vidros bem apresentados, tem que saber do apoio da Central do Cerrado, de Brasília (DF). Baseada no Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN), há mais de três anos ajuda a qualificar e vender o que se produz nos interiores do país. Reúne cerca de 30 organizações que somaram capacidades produtivas para reduzir custos e comercializar produtos em mercados e feiras locais, regionais e nacionais. Só no ano passado, foram 40 feiras.

“Um dos desafios foi mudar a lógica de pessoas que sempre se comportaram como fornecedoras de matérias-primas, que sempre estiveram na mão de atravessadores ou venderam em condições precárias, e capacitá-las para produzir com a qualidade que o mercado espera. Também é preciso enfrentar o labirinto das exigências comerciais e legislativas”, conta Luís Carrazza, coordenador da central.

À parte da burocracia e do gosto padronizado da maioria dos consumidores urbanos, outra barreira a esses produtos vem das grandes redes de supermercados. Além de exigirem enormes volumes para compra, cobram pelas melhores posições nas estantes e até pela veiculação de marcas e produtos em folhetos e banners.

Mesmo assim, os itens da central podem ser encontrados em vários estados do Centro-Oeste, Sudeste e Sul do país. “Buscamos nichos específicos e diferentes para vendê-los, de produtos naturais e orgânicos e restaurantes especializados”, explica Carrazza. O catálogo da central tem mais de cem itens, entre alimentos, artesanato e cosméticos. De cada venda, até 30% do valor é separado, auxiliando na manutenção do espaço, publicidade e outros serviços. Seu faturamento vem dobrando a cada ano, chegando a cerca de R$ 100 mil em 2008.

Para este ano, a Central do Cerrado encaminha sua regularização jurídica, investirá ainda mais em produtos como coquetéis e cestas especializadas, negocia com uma cooperativa italiana ligada a 6 milhões de consumidores e está vendo várias cooperativas trocando informações ou montando lojas para comercializar itens produzidos em outras regiões . “Um grupo de dez municípios do Vale do Rio Urucuia (MG) está aprendendo com a gente a produzir com o pequi”, conta José dos Santos, presidente da Cooperjap.

Toda essa movimentação, avalia Luiz Carrazza, vem na carona de uma tendência mundial pela valorização de produtos locais e regionais e também pela preocupação crescente com o que se come. No Brasil, no entanto, diz, ainda há forte preconceito com produtos naturais e falta uma ajudinha do poder público. “Falta políticas e pesquisas para divulgar esses produtos, infra-estrutura para transporte e normas para produção”, reclama.

Mais de 11 mil possibilidades

Conforme a pesquisadora em Ecologia Vegetal Fabiana de Góis Aquino, dados compilados da Embrapa, do IBGE e da Universidade de Brasília (UnB) mostram que o Cerrado tem 11.426 tipos de plantas, fazendo dele a savana mais rica que se conhece. Dessa fartura, pelo menos 110 vegetais (menos de 10%) já são usadas na alimentação de pessoas ou rebanhos, na medicina, para a fabricação de tintas e corantes, na indústria química, artesanato, obtenção de madeiras e outras utilidades. De 26 espécies, se pode preparar cerca de 200 pratos diferentes.

Segundo ela, tanta biodiversidade é pouco aproveitada pela carência de estudos, tanto para identificação de novas plantas quanto para descobrir seu potencial econômico. Desmatar é sempre mais fácil. “O Cerrado sofre com desmatamento acelerado e tem poucas unidades de conservação. O desconhecimento sobre seu uso e a falta de políticas públicas para conservação da biodiversidade restringem as chances de investimentos em novos produtos, a partir de animais e plantas nativos, que poderiam ser lançados no mercado nacional e internacional. Extintos, Esses recursos estarão indisponíveis definitivamente às futuras gerações”, salienta a pesquisadora.

O extrativismo e a produção de alimentos com frutos do Cerrado podem crescer muito mais, pois não oferecem qualquer ameaça direta às monoculturas de soja, gado e outras que vêm devorando o bioma. São exemplos concretos de outras possibilidades econômicas, que também geram empregos e divisas e são bem mais ligadas à necessária conservação. “Os produtos feitos com itens nativos são um chamado à preservação do Cerrado. Eles reduzem a agressão ambiental de outras atividades”, afirma Luís Carrazza.

Atalhos:
www.centraldocerrado.org.br
www.caatingacerrado.com.br

O potencial das ondas brasileiras

Por Paula Scheidt, do CarbonoBrasil


Projetos pilotos já são planejados para o Ceará e Santa Catarina, estado com maior capacidade do país.

Com mais de sete mil quilômetros de costa marítima, o Brasil ainda investe timidamente no desenvolvimento de usinas de ondas, uma fonte energética com potencial para a produção de 20 gigawatts entre 2010 e 2020, 40% a mais do que a maior usina hidrelétrica do mundo - Itaipu.

Professor de estruturas oceânicas e tecnologia submarina do Programa de Engenharia Oceânica da COPPE/UFRJ, Segen Farid Estefen, diz que o país pode ter uma tecnologia própria, com a participação de empresas brasileiras, se apostar na inclusão desta fonte na matriz energética.

Existem dois tipos de energia relevantes e em grande escala que podem ser aproveitadas no mar. Uma delas é a das marés, que acontece duas vezes ao dia, mais ou menos a cada 12 horas. A outra é das ondas, que quando quebra na beira da praia, dissipa toda a energia transportada do alto mar. Por isso, o seu aproveitamento deve ser feito em profundidades de 15 a 20 metros.

Relatos comprovam que há mais de 100 anos os ingleses já faziam experiências para transformar este movimento em energia mecânica e, depois, em energia elétrica e, assim, ter iluminação pública. Porém o inimigo sempre foi a própria onda, já que possui um grande poder de destruição, caso venha com muita intensidade.

O desafio sempre foi manter a estrutura intacta em momentos extremos. Estefen destaca que, com a evolução tecnológica, agora está sendo possível retomar a energia das ondas como uma fonte real e potente para a produção elétrica. “Todos esses mecanismos mostram que a próxima década será a das energias do mar, ao menos isso é o que nós apostamos.”

A primeira usina de energia das ondas do mundo, o Parque de Aguçadoura, foi construída no ano passado em Portugal, na Póvoa de Varzim. O objetivo é ter, neste ano, 28 balsas capazes de gerar 24 megawatts, o suficiente para fornecer energia para 250 mil habitantes.

O núcleo de pesquisas da COPPE/UFRJ é referência no assunto e já trabalha na formação de uma rede com outras universidades, inclusive planejando projetos pilotos para o Ceará e Santa Catarina. “Nós temos condições muito boas na região do Ceará e no Rio Grande do Norte, em função dos ventos alísios, mas em termos energéticos, Santa Catarina é o estado com maior potencial para a energia das ondas”, afirma Estefen.

Potencial catarinense

A costa catarinense recebe ondas “muito energéticas” vindas do sul, explica o professor, levando a vantagem em relação ao Rio Grande do Sul devido a grande quantidade de lama do litoral gaúcho, que amortece o potencial. A COPPE estuda três locais para a implantação de um projeto piloto em Santa Catarina: a ilha do arvoredo, uma das duas unidades de conservação marinha do país; a ilha da paz, ao Norte do estado; e a área de Imbituba, conhecida pelas presença de baleias francas.

Quanto aos impactos para a fauna e flora, Estefen ressalta que é um aspecto muito analisado antes de determinar onde instalar uma usina de energia das ondas. “Temos que levar em conta a rota migratória desses grandes mamíferos, principalmente se for um local de reprodução”.

Potencial nordestino

Outro projeto piloto, em menor escala que o previsto para o sul do país, está em andamento na cidade de Pecém, no norte do Ceará, em parceria com a Aneel e a Tractebel. “Esse é um projeto pequeno, com apenas dois flutuadores, para gerar 50 quilowatts e com o objetivo de fazer aprimoramentos e monitoramentos para, depois, evoluir”, explica Estefen.

Para o Nordeste, há ainda um projeto já com o apoio do BNDES para a colocação de quatro flutuadores em Fernando de Noronha, em um programa do governo de Pernambuco de substituição da matriz energética, que inclui a energia eólica.

Segundo Estefen, outras vantagens da Coppe/UFRJ em relação a outros centros de pesquisas oceânicas no mundo, é a experiência de mais de 30 anos de um trabalho intenso com a Petrobras no mar e os laboratórios, que são exclusivos para este fim.

“Não estamos partindo do zero e isso nos dá um diferencial importante em relação a outros centros no mundo. E eu diria, sem sombra de dúvidas, que ninguém que está pesquisando esta energia tem os laboratórios que a gente tem disponível para fazer estas pesquisas”, comenta.




(Envolverde/CarbonoBrasil)

Revolução no embate das idéias e projeto de sociedade

A superação da crise atual, sistêmica e estrutural, exige a construção de uma nova agenda civilizatória. Para isso, é preciso formar uma maioria política que alie capital produtivo e estratos sociais organizados, como trabalhadores e seus sindicatos, associações de bairros e entidades de classe média. Uma das principais tarefas é a defesa da sustentação das atividades produtivas com redistribuição da renda e riqueza acompanhada da democratização das estruturas de poder, produção e consumo. A análise é de Márcio Pochmann, presidente do IPEA.

Marcio Pochmann

O agravamento da crise do capital globalizado neste início do século 21 torna mais claro o anacronismo das idéias-forças atualmente existentes para a implantação de um novo projeto de sociedade. Poucas vezes antes as elites mundiais persistiram prisioneiras de pressupostos constituídos por quem já não vive mais, desconhecendo, portanto, as oportunidades que o novo permite concretizar.

De um lado, porque a trajetória do desenvolvimento econômico e social percorrida desde antes do segundo pós-guerra se mostrou incapaz de incluir a todos, uma vez que não mais de 1/3 de toda a população mundial teve alguma forma de acesso ao padrão civilizatório produzido pela chamada sociedade industrial do século 20. De outro, devido à insustentabilidade ambiental que marca profundamente a perspectiva de reprodução continuada do atual padrão de produção e consumo em larga escala, fortemente destrutivo, especialmente pela elevação da temperatura e demais transtornos crescentemente ocasionados pelas mudanças climáticos globais. Ou seja, o projeto de sociedade existente não pode ser universalizado, salvo na forma do subdesenvolvimento que gera o mito de permitir a absorção de alguns simultaneamente à exclusão da maioria.

A crise atual é sistêmica e estrutural. Começou pelo coração do capitalismo central, que define o sistema monetário-creditício, e passou a contaminar pelo mundo o tecido produtivo generalizadamente, com efeitos sociais e políticos sem paralelo nas últimas sete décadas e ainda não plenamente conhecidos. Por atingir a estrutura básica do edifício sobre a qual se encontra erigido o edifício da sociedade capitalista, percebe-se logo que o conjunto ofertado de medidas até agora pelo keynesianismo bastardo, embora urgente e necessário para atenuar emergencialmente a sangria desatada que o retrocesso neoliberal de anos anteriores provocou, serve tão somente de remendo, meia sola, como diria um bom sapateiro.

Não se trata, portanto, de uma alternativa concreta e efetiva como fora durante a Depressão de 1929, que somente se efetivou com a experiência da Segunda Guerra Mundial, capaz de fazer com que ricos e poderosos aceitassem as reformas civilizatórias potencializadoras de um dos mais formidáveis ciclos de expansão socioeconômica que durou quase três décadas. Em síntese, observa-se que dificilmente a reprodução de medidas idênticas às adotadas para debelar crises ou depressões passadas terá sucesso pleno tal a gravidade e profundidade da crise do capital globalizado.

Resistências à mudança
A trajetória consagrada pelos programas neoliberais de ajustes estruturais implementados desde o final da década de 1970 – inicialmente nos países do centro do capitalismo mundial e, em seguida, condensados pelo Consenso de Washington para as nações periféricas a partir da segunda metade dos anos 1980 - fracassou rotundamente. Por conta disso, o projeto de sociedade de ricos e poderosos convergente com o processo de globalização financeira mundial ruiu, deixando viúvas à caça de novos parceiros interessados em reavivar o defunto.

Até então, os protagonistas da agenda global neoliberal vinham sendo algumas das principais agências multilaterais que possuíam, invariavelmente, suas respectivas ramificações no interior de cada um dos espaços nacionais. Para isso, elas buscavam promover tanto a regulação competitiva na repartição da renda e riqueza por parte das corporações transnacionais (responsabilidade empresarial) como por meio do enxugamento do papel do Estado, que se transformou cada vez mais no mero reprodutor das ações internas voltadas à regulação competitiva dos capitais e às políticas sociais cada vez mais distantes do caráter seu universal, com ações marcadamente assistenciais e focalizadas para o restrito grupo social extremamente pobre.

Alem disso, o avanço tecnológico combinado à difusão de múltiplas cadeias de produção em rede planetária possibilitou a distinção entre o trabalho de concepção e o trabalho de execução num cenário de desgovernança global. Geograficamente, então, assistiu-se à conformação de uma nova Divisão Internacional do Trabalho que concentrou, sobretudo nos países ricos, o trabalho de concepção, exigente de educação continuada e de qualidade compatível com remuneração e condições de trabalho menos incivilizadas.

Nos países periféricos, com as reformas neoliberais em maior escala, avançou o curso da especializando econômica dependente do trabalho de execução, geralmente pouco qualificado, sub-remunerado e com condições de exploração comparáveis – muitas vezes – às da flexibilidade laboral do século 19. Nesses termos, diversos organismos governamentais e instituições não governamentais vinculados aos grandes grupos econômicos transnacionais voltaram-se à defesa de ações estatais pontuais e focalizadas na regulação social competitiva. Em resumo, tratou-se da disseminação do que se assemelharia ao neodarwinismo social voltado à emulação do individualismo competitivo. Tudo isso, é claro, à margem da regulação pública ou estatal, porém compatível com campanhas supranacionais de caráter assistencial e mercadológico envoltas com a lógica da responsabilidade social e de estímulo voluntário e assistencial isolacionista.

Com espraiamento hegemônico do capital globalizado fundamentou-se uma nova casta política e econômica mundialmente privilegiada, que se beneficiou dos ganhos da financerização da riqueza em escala planetária. Para isso, o fundo público tornou-se a chave, mais uma vez, para a repartição de renda entre os detentores dos direitos da riqueza financeirizada e os dependentes das políticas sociais nacionais despossuídas de seu caráter universal para focalização assistencial. Essa era a visão dos ricos e poderosos a manipular agências multilaterais e ramificações internalizadas no plano nacional engajadas no projeto de sociedade para poucos, enquanto a maioria era levada a conviver na luz da falsa disjuntiva entre o desemprego aberto ou emprego precário (trabalho de execução).

Em vista disso, constata-se como o tempo de predomínio do neoliberalismo representou um inegável esforço pela busca da acomodação política em contextos nacionais crescentemente marcados por maior polarização e exclusão social. Esse contexto terminou sendo responsável por sinais de regressão nas estruturas sociais que anteriormente fundamentavam as lutas sociais durante o ciclo do desenvolvimento fordista a partir do século 20, como no caso dos sinais recentes do desaburguesamento das classes médias assalariadas e da desproletarização da classe operária. Assim, ao invés das oportunidades do novo, as resistências neoliberais impuseram, inclusive, o retrocesso à velha agenda civilizatória que fora construída por significativas lutas sociais a partir do final do século 19 (tempo de estudo para a faixa etária 7 a 14 anos, início no trabalho regulado a partir dos 15 anos de idade, jornada de 48 horas semanais e aposentadoria para o fim da vida, acompanhada da segurança social contra os riscos do trabalho).

Somente o ilusionismo neoliberal pode justificar que o menos significaria mais para todos.

Maioria política para uma nova agenda civilizatória Nos dias de hoje uma nova agenda civilizatória permite ser defendida a partir da construção de uma maioria política travestida pela coalizão interclasses sociais, capaz de compreender - no plano nacional - a reunião desde as famílias de maior renda plenamente incluídas no atual padrão de produção e consumo até os segmentos extremamente miseráveis da população, geralmente pouco incluídos pelas políticas sociais tradicionais. A emergência desse novo tipo de aliança política poderia fortalecer o conjunto dos estratos sociais de baixa renda e de nível médio organização, geralmente, integrados por alguma forma de organização e que expressem resistências à condução neoliberal do projeto de sociedade dos ricos e poderosos.

De certa forma, isso refletiria maior ênfase na disputa em torno da reorientação do fundo público comprometido com a improdutividade do circuito da financeirização da riqueza para a conformação de uma nova agenda civilizatória consonante com as exigências da sociedade pós-industrial. Sem resolver o problema da desigualdade crescente da renda e riqueza, a nova polarização entre ricos e pobres tende a ser acomodada por medidas funcionais simultaneamente à pobreza e à riqueza. Mas isso, contudo, está obstaculizado pelo aprofundamento da crise do capital globalizado.

Por isso, no entanto, que o fundo público originado pela luta política dos segmentos sociais mais organizados deve ser reformulado e novamente vinculado às receitas originárias, permitindo favorecer tanto a progressividade na tributação sobre a renda dos ricos como a universalidade da proteção social (gasto com saúde, educação, pleno emprego e assistência social).

Nessa direção em que se condena o atual processo de financeirização da riqueza - resultado da implementação dos programas de ajuste estrutural e da condução de políticas econômicas e sociais neoliberais –, apresentando-se a construção de maioria política que alie atores pouco privilegiados ou derrotados (capital produtivo e estratos sociais organizados, como trabalhadores e seus sindicatos, associações de bairros e entidades típicas de classe média) e aponte a defesa da sustentação das atividades produtivas com redistribuição da renda e riqueza acompanhada da democratização das estruturas de poder, produção e consumo.

Mesmo que a convergência entre segmentos tão heterogêneos seja de difícil viabilidade política, isso não significa, necessariamente, sua impossibilidade prática num ambiente tão hostil à organização regulada do capital produtivo e à estruturação de políticas universais de proteção social. Uma nova maioria política com esses propósitos parece estar em construção, já presente em algumas escalas localizadas, especialmente quando se trata de observar evidências factíveis e viáveis de políticas públicas compromissadas com a emancipação social, política e econômica. A ênfase na construção de uma nova agenda civilizatória deve ser perseguida, pois é ela que pode permitir a reconstrução da sociabilidade perdida, bem como liberar o homem do trabalho heterônomo no contexto das exigências da sociedade pós-industrial. Ou seja, o ingresso no mercado de trabalho aos 25 anos, a educação para o longo da vida, as 12 horas semanais no local de trabalho e a expansão de atividades ocupacionais socialmente úteis à sociabilidade, como cuidadores sociais, entretenimento e outras.

A base material necessária à sustentação desse novo patamar civilizatório global já existe, tendo em vista o crescente ganho de produtividade (física e imaterial) oriundo do capitalismo pós-industrial deste começo do século 21. Lembra-se que para cada dólar derivado da produção material há, simultaneamente, outros 10 oriundos do conjunto das atividades imateriais (não produtoras de bens, mas de mercadorias intangíveis). A captura dessa parcela do excedente econômico reafirma o projeto de sociedade protagonizado pela progressividade tributária e pela amplificação do gasto social capaz de gerar autonomização e empoderamento no conjunto dos povos no mundo. O choque redistributivo e o apoio ao desenvolvimento socioeconômico sustentável encontram oposição direta na agenda social do neodarwinismo, apontando, cada vez mais, para o novo sentido das disputas entre progressistas e conservadores.

Tarefa para um novo tipo do Estado
A ação pública precisa ser revigorada, sendo necessário o restabelecimento do Estado em novas bases. Não cabe mais a reprodução do velho Estado do século 20, adequadamente coetâneo com a problemática socioeconômica pertencente à sociedade industrial. A concepção do Estado funcional em “caixinhas” que respondem à setorialização das ações públicas, geralmente desarticuladas, quando não competitivas entre si, encontra-se ultrapassada. Os enormes desafios de sociabilidade e de gestão econômica da sociedade pós-industrial pressupõem a construção de um Estado matricial, trans e intersetorial, capaz de fazer confluir o conjunto de especializações em ações totalizantes.

No Estado do século 20, a soma das ações em partes oferecia um todo superior. Para atuar sobre os problemas gigantes da sociedade, o plano Beveridge que padronizou o Estado de bem estar social do segundo pós-guerra recomendou ações setorializadas, como na ignorância, o sistema público de educação; na doença, o sistema público de saúde; no desemprego, o sistema público de emprego e assim por diante.

Noutros termos a seguridade social que resultou da sociedade salarial generalizada pela industrialização estabeleceu outro patamar para a oposição entre proprietários e não proprietários. Com a propriedade social oriunda do trabalho assalariado houve a possibilidade da apropriação dos ganhos de produtividade material gerados pelo avanço da sociedade industrial.

Em virtude disso, as garantias de bem estar (educação, saúde, aposentadoria, assistenciais, entre outras) deixaram de dizer respeito quase que exclusivamente aos proprietários privados portadores de condições próprias de financiamento. A transformação de Estado liberal que até o início do século 20 se fundamentava em três funções básicas (monopólio da tributação, moeda e forças armadas), passou pela ampliação do fundo público que somente equivalia a menos de 10% do total do excedente econômico.

A substituição do Estado Liberal pelo Estado de Bem Estar Social na saída da Depressão de 1929 implicou a conformação de fundo público representando cerca de 30 a 45% do excedente econômico para sustentar a agenda civilizatória da sociedade industrial. Ou seja, a garantia do estudo público a todos, especialmente aos filhos de famílias se condições privadas de prover na faixa de 7 a 15 anos de idade, ingresso no mercado de trabalho após 15 anos, aposentadoria após três décadas de trabalho, jornada de trabalho de oito horas diárias e acesso à proteção social aos demais riscos do trabalho.

Naquela oportunidade, sem a realização da reforma tributária progressiva sobre os ricos, especialmente nos ganhos derivados da nova riqueza material representada pelo crescimento fantástico da produtividade, pouco da agenda civilizatória do século 20 haveria de ser implementada. A transformação do Estado Liberal dependeu da democratização política das estruturas de poder, produção e consumo, levadas avante por intensas lutas sociais. Do contrário, o regime de vida e trabalho do século 19 ainda se faria presente, descolado da riqueza gerada pela metamorfose da sociedade agrária para industrial e urbana, como o trabalho a partir de cinco anos de idade, jornadas de trabalho de 16 horas por dia, trabalho até morrer, analfabetismo generalizado.

Neste começo do século 21, quando se conforma a sociedade pós-industrial que têm mais 70% das ocupações envolvidas com atividades intangíveis, a produtividade que mais cresce é aquela que decorre do trabalho imaterial. A concentração dessa nova e imensa riqueza em poucas mãos é que potencializa a grave crise do capital globalizado. O enfrentamento dessa crise requer receitas novas, contemporâneas com as oportunidades atualmente em curso. A transformação da propriedade em favor de todos, especialmente as decorrentes das propriedades financeira e intelectual, impõe exigências como educação para a vida toda, não mais para as faixas precoces da vida (crianças, adolescente e jovem).

Adultos e velhos necessitam continuar estudando ao longo da vida, especialmente numa sociedade cuja expectativa média de vida deve superar os 100 anos de idade. Para educação de vida toda, em que o exercício do trabalho pode ser realizado em qualquer lugar (casa, praça, aeroporto, rodoviária, entre outros), deixa de ser funcional a velha e rígida divisão fordista da atividade (trabalho) com inatividade (estudo), pois o trabalho material é realizado fundamentalmente no local próprio de trabalho (fábrica, escritório, fazenda, laboratório, etc.).

Com o trabalho imaterial sendo efetuado cada vez mais fora do seu local tradicional, não há razão técnica que justifique as longas jornadas oficiais de trabalho do século 20, pois do contrário o cidadão permanece plugado no trabalho heterônomo quase 24 horas por dia. Aumentar o tempo livre requer financiamento público, como para as ações que envolvam descontaminar o trabalhador das novas doenças profissionais.

Enfim, há oportunidade para que tudo isso pode e deve ser feito nos dias de hoje. Ademais da lutas sociais em termos do embate das idéias que possam revolucionar o projeto de sociedade atual, urge implantar uma profunda reforma do Estado que implique avançar o fundo público para mais de 2/3 do total do excedente econômico, por meio da tributação dos ricos, sobretudo os detentores das novas riquezas imateriais.

Da mesma forma, a ação estatal de novo tipo requer o seu próprio empoderamento para tratar do novo contexto global controlado por somente 500 grandes grupos econômicos, responsáveis por quase 50% do Produto Interno Bruto mundial. A defesa do espaço nacional, com exploração plena de todo o potencial econômica impõe fortalecimento da iniciativa privada, com novas regras que permitam ampliar a competição, mesmo com ação estatal em setores potencializadores da sociedade pós-industrial. Este Estado está ainda por ser constituído. Somente uma nova maioria política poderá viabilizar essa complexa e necessária construção. Que o Brasil lidere esse movimento, assim como na Depressão de 1929 foi um dos protagonistas a adotar o keynesianismo avant la lettre e, por isso, permitiu ser um dos primeiros países a superá-la.

(*) Marcio Pochmann é presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA).

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Uso de soja transgênica e agrotóxico provocam embargo de imóveis rurais e multa de R$ 950 mil

Em uma fiscalização realizada em dezembro, dez agentes do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama) autuaram, multaram e embargaram 18 propriedades rurais por cultivarem soja transgênica no perímetro de 500 metros no entorno do Parque Nacional (Parna) das Emas, em Goiás, e outras duas por usarem agrotóxicos das classes 1, 2 e 3 nas lavouras situadas a menos de dois quilômetros da unidade de conservação. As multas aplicadas nos produtores de soja transgênica somam R$ 950 mil.

Do total de oito mil hectares que compõem a faixa de 500 metros no entorno do Parna, a qual é área de preservação permanente e não está apta para plantio, 1.590 hectares foram embargados por causa da soja transgênica. O uso de agrotóxico das classes 1, 2 e 3, proibidos na área de dois quilômetros no entorno das unidades de conservação, foram verificados numa faixa proibida redor do parque. As duas propriedades embargadas pelo uso de agrotóxico foram flagradas com defensivos agrícolas proibidos pela Justiça, como o Zapp QI, Cetero, Lannate, Twister e Agral. Das propriedades vistoriadas para detecção de organismos geneticamente modificados (transgênicos), em apenas seis havia soja convencional, permitida pela legislação. Além da soja, os agentes constataram ainda que 15.000 hectares do parque foram afetados pelo plantio de algodão transgênico.

A legislação brasileira proíbe o plantio de algodão geneticamente modificado, evento 531, o qual confere resistência a insetos, a 800 metros das unidades de conservação. Segundo eles, quase todos os produtores agrícolas da região infringiram o Decreto nº 5.950/06, que proíbe o plantio de transgênico no entorno de unidades de conservação. De acordo com o relatório da operação, outra fiscalização nas lavouras de soja está prevista para janeiro, mas, desta vez, com reforço policial, por causa da gravidade da situação e do crescente nível de tensão entre proprietários e poder público verificado na região.

Entre eles há uma "clara disposição de enfrentamento da decisão judicial por parte dos agricultores", informa o relatório da operação apresentado pelo chefe do Parna, Marcos da Silva Cunha. Segundo Marcos Cunha, janeiro é o período crítico em que se inicia o combate à ferrugem asiática, uma doença que somente agrotóxicos incluídos na proibição judicial são capazes de combater. Por isso, segundo ele, no parecer apresentado no relatório sobre a operação, aconselha-se a erradicação de todo o plantio de transgênico da região, uma vez que, além do cultivo ser ilegal, exige o uso desse tipo de defensivo agrícola, o qual pode provocar problemas fitossanitários (contaminar outras plantações e a vegetação nativa) e resultar em problemas econômicos. Realizada entre os dias 9 e 18 de dezembro, essa foi a terceira operação realizada na região do Parna das Emas, unidade de conservação situado na divisa dos Estados de Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Em julho, durante a primeira operação, a equipe notificou praticamente todos os proprietários rurais com imóveis no entorno do parque e empresas de aviação agrícola a fim de alertá-los sobre a interdição do uso de agrotóxicos proibidos pela Justiça.

Na ocasião, os agentes apreenderam insumos e máquinas agrícolas e lavraram vários autos de infração, o que, no entendimento deles, resultou no clima de "animosidade entre produtores e funcionários do ICMBio e do Ibama que se vê atualmente na região. Diante da situação, foi proposto o Termo de Ajuste de Conduta (TAC). Durante a segunda operação, realizada em agosto, a equipe encontrou vasto plantio de soja. Na terceira operação, realizada em dezembro, além das vistorias nas fazendas do entorno do Parna para verificar o cumprimento da decisão da Justiça Federal que proíbe a pulverização de agrotóxico proibido, os agentes foram incumbidos de verificar a existência de plantio de transgênicos e vistoriar imóveis rurais cujos proprietários não aderiram ao TAC proposto em meados de 2008.

No relatório sobre a operação, os analistas ambientais avaliam que, na época da primeira fiscalização, os produtores rurais subestimaram o trabalho dos fiscais por vários motivos, dentre eles porque não há tecnologia que substitua os produtos proibidos, por não acreditarem na fiscalização e por acharem que a decisão judicial cairia em prazo hábil à condução normal dos cultivos. Várias propriedades não aderiram ao TAC e outras não regularizaram suas reservas legais, dentre elas seis imóveis ligados à empresa Perdigão, situados no município de Mineiros. Marcos Cunha informa que, "embora não seja diretamente responsável pelas ilegalidades constatadas nas fazendas, a Perdigão poderá ser responsabilizada em juízo por não cobrar o cumprimento das responsabilidades ambientais de seus parceiros", afirma. A maior parte das fazendas vistoriadas e que ainda serão fiscalizadas se localizam em Mineiros, mas a fiscalização verificou o descumprimento do TAC nos municípios de Serranópolis e Chapadão.

Agência de Notícias do Instituto Chico Mendes de Conservação da BiodiversidadeBoletim Eletrônico - Número 67 - Ano III - Brasília-DF, de 5 a 11 de janeiro de 2009