quarta-feira, 17 de setembro de 2008

ITAL detecta compostos cancerígenos em óleos de soja

Uso de lenha na secagem contamina soja com agentes cancerígenos
Veja o texto divulgado pelo Ital:

Pesquisa do Instituto de Tecnologia de Alimentos, ligado à Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo (Ital/Apta/SAA), verificou a presença de hidrocarbonetos policíclicos aromáticos (HPAs) - compostos orgânicos cancerígenos e que podem provocar mudanças no material genético das células - em óleos de soja encontrados no mercado. As análises apontaram a contaminação de todas as amostras coletadas, que pertenciam a diferentes marcas. O Ital é a única instituição no Brasil a realizar testes de detecção dos HPAs em alimentos.

No caso do óleo de soja, os resultados obtidos pela pesquisa - que avaliou 42 amostras coletadas ao longo de um ano - eram esperados. “Os HPAs são formados, nesse caso, durante a secagem da soja, pois, no Brasil, ainda se utiliza a secagem pela queima da madeira. Eles se depositam no grão e passam para o óleo bruto. Durante o processamento, ocorre certa diminuição, mas não perde 100%”, diz a coordenadora do trabalho, Mônica Rojo de Camargo. A conscientização e a mudança de postura devem partir da indústria, já que o consumidor não tem como se proteger. Uma das alternativas é substituir o processo de secagem.

Os HPAs são gerados na queima incompleta de material orgânico. Essa importante classe de carcinogênicos (compostos cancerígenos) faz parte do dia-a-dia do homem, já que está presente na poluição ambiental e em muitos alimentos e bebidas, tais como hortaliças, carnes, café, chá, óleos e gorduras e grãos. Como conseqüência, sua presença em produtos alimentícios tem sido objeto de preocupação nos últimos anos. Eles oferecem risco à saúde caso sejam inalados, ingeridos ou se houver contato com a pele.

Mais de cem compostos diferentes foram identificados. Treze deles foram, contudo, classificados como carcinogênicos e genotóxicos (podem provocar mudanças no material genético das células) pelo Comitê Conjunto FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação)/OMS (Organização Mundial da Saúde) de Peritos em Aditivos Alimentares (Jecfa), em 2005.

Nesse contexto, o Ital iniciou, com recursos da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), um programa de monitoramento, estudos e pesquisas em HPAs, intitulado “Contaminação de Alimentos por Hidrocarbonetos Policíclicos Aromáticos”.

A ATUAÇÃO DO ITAL

“Quando mandamos o projeto para a Fapesp, a confirmação dos 13 compostos carcinogênicos tinha acabado de sair, então, não havia quase nenhum dado no mundo a respeito disso. O Jecfa fez uma recomendação para que os países pesquisassem o assunto para avaliarmos o risco a que o homem está exposto”, disse a coordenadora do projeto. Ainda não há, todavia, limite mínimo de ingestão determinado, já que os organismos respondem de maneiras diferentes. Além disso, como o câncer está associado a múltiplas causas, é difícil estabelecer a relação precisa entre a exposição aos HPAs e o aparecimento da doença.

Para uma primeira etapa do projeto, foram selecionados o complexo soja (soja, farelo e óleo), alimentos infantis e o café. “Esses alimentos foram escolhidos porque, na Europa, existe legislação para óleos e alimentos infantis e por serem produtos, no caso do óleo e do café, exportados. Poderá haver uma barreira de exportação relacionada à presença de HPAs”, explica Mônica.

Outro destaque entre as atividades do Instituto em pesquisas acerca do tema é a metodologia empregada. Mônica trabalhou um ano no desenvolvimento de um método analítico - sobre o qual não constam, até o momento, registros na literatura científica mundial - para a detecção dos 13 compostos classificados como cancerígenos. Esse trabalho será apresentado pela pesquisadora no 45th Congress of the European Societies of Toxicology, na Grécia, entre 5 e 6 de outubro.

OS CAMINHOS POSSÍVEIS

Se o consumidor fica impotente diante da contaminação do óleo de soja, o mesmo não ocorre com outros alimentos. Determinadas condutas podem diminuir a ingestão dos HPAs. São exemplos: não ferver a água do café junto com o pó, utilizar carnes com menos gordura para churrasco ou cozimento em grelhas, lavar bem a superfície de frutas e hortaliças e evitar alimentos defumados por processos caseiros.

Do mesmo modo, o progresso das pesquisas envolvendo esses compostos é essencial tanto para avançar o conhecimento sobre seus efeitos na saúde humana quanto para viabilizar ações que diminuam a exposição. “Efetivamente, conseguir eliminar os HPAs é muito difícil. É um trabalho preventivo: temos que saber onde há e quanto há para sabermos onde atuar. Se não fizermos nada, como vamos informar o consumidor, estabelecer ações? Mas, se o consumidor e a indústria souberem como eles se formam, de onde vêm e como prevenir, já podem evitar ou ingerir menos”, defende Mônica."

terça-feira, 9 de setembro de 2008

Cerrado vira ‘refúgio’ da cana

O POPULAR - 08/09/2008





Com proibição de plantio da cana-de-açúcar na Amazônia e no Pantanal, sobrou para o bioma o avanço da produção de etanol.


Vinicius Jorge Sassine

A proibição do plantio da cana-de-açúcar na Amazônia e na Bacia do Alto Paraguai – onde está a planície pantaneira – empurra a produção de etanol para o Cerrado. Nenhuma nova usina de álcool poderá ser instalada nas regiões da Amazônia e do Pantanal, como já está definido no zoneamento agroecológico da expansão da cana-de-açúcar, elaborado em conjunto pelos Ministérios do Meio Ambiente e da Agricultura, em parceria com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

O documento deve ficar pronto em um mês, mas os principais pontos já são analisados pelo ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, e pelo ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes. O zoneamento define regras para a entrada da cana em diferentes áreas e deve conciliar as previsões do zoneamento ecológico-econômico elaborado pelos Estados.

O Cerrado será o bioma mais afetado pela monocultura da cana, principalmente em razão da proibição de plantações no Pantanal e na Amazônia. As restrições atingem grandes áreas do Mato Grosso e do Mato Grosso do Sul. Por isso, Goiás se transformou no Estado do Centro-Oeste mais cobiçado por usineiros e grupos internacionais.

O zoneamento agroecológico estabelece que, no Cerrado, a cana-de-açúcar só poderá avançar por áreas de pastagem. Mas o próprio governo federal reconhece que o avanço da monocultura implica desmatamento da vegetação nativa e substituição de determinadas culturas de grãos pela cana. Imagens de satélite do Inpe, que monitora pelo projeto Canasat o avanço da cana em seis Estados , entre eles Goiás, revelam que matas nativas de Cerrado já foram substituídas pela matéria-prima do etanol, pelo menos nos municípios de Hidrolina, Itapaci, Paraúna, Quirinópolis, São Luís do Norte e São Miguel do Araguaia.

O mais comum é o deslocamento de culturas agrícolas e da pecuária em razão da entrada da cana. Assim, num primeiro momento não ocorre o desmatamento do Cerrado, mas a chegada da soja, por exemplo, em novas regiões, pode significar a derrubada de matas nativas.

“As manchas indicadas no zoneamento para a produção de cana estão completamente sobre áreas de pastagem (em Goiás, metade do território é destinada à produção pecuária). Não haverá competição com alimentos, mas tudo isso não nos dá 100% de segurança quanto ao bioma Cerrado e à produção agrícola”, diz o diretor de Zoneamento Territorial do Ministério do Meio Ambiente, Roberto Vizentim, um dos coordenadores do zoneamento agroecológico da cana.

O etanol, com forte aquecimento dos mercados nacional e internacional, impulsionou a entrada de usinas de álcool em Goiás, com projeções de investimentos nunca antes vistos na história da economia regional. Os empreendimentos estão sendo instalados, porém, sem a conclusão dos estudos de zoneamento, fundamentais para o ordenamento territorial e ambiental dos novos negócios.

Só no papel

Em Goiás, o zoneamento ecológico-econômico está só no papel. Nem virou projeto de lei. Na esfera federal, a agressiva penetração da cana depende do zoneamento agroecológico, em fase conclusiva.

Enquanto isso, o Estado já tem 25 usinas de álcool. E mais 89 projetos de investimento com incentivo fiscal aprovado pelo governo estadual. As instalações se concentram em determinadas regiões. É o caso da cidade de Itumbiara, onde cinco usinas estão sendo construídas, segundo informação da Secretaria de Indústria e Comércio (SIC).

Muitos projetos de investimento podem ficar pelo caminho, apesar dos milionários contratos de incentivo fiscal já firmados. Além das 25 usinas que já em funcionamento, pelo menos mais 15 estão sendo construídas em municípios do Estado. As outras 74 unidades têm caminho livre para isso em Goiás, mesmo sem a conclusão dos estudos de zoneamento.

Goiás pode ter 45 usinas de álcool até 2011

Um dos pontos do zoneamento agroecológico tenta evitar a recorrente prática da queimada na colheita da cana. O cultivo em áreas de Cerrado só poderá ser feito em solos com declividade máxima de 12%, para garantir a colheita mecanizada. As máquinas existentes hoje no mercado não têm capacidade de fazer a colheita em relevos irregulares, com declividade superior a 12%, o que exige o trabalho manual. As terras planas são fatores de atração do plantio da cana em Goiás, Minas Gerais e Paraná.

Uma lei estadual definiu que 2028 é o prazo final para as usinas de álcool em Goiás adotarem integralmente a colheita mecanizada. Segundo o presidente do Sindicato das Indústrias de Fabricação de Álcool de Goiás (Sifaeg), André Rocha, 48% da colheita feita no Estado é mecanizada. “É um índice inferior somente ao índice de São Paulo. É preciso formar a mão-de-obra para trabalhar com essa mecanização.”

A estimativa do setor é de que até 2011 estejam em funcionamento 45 usinas de álcool em Goiás. “Somente a compra de colheitadeiras custará R$ 1 bilhão a essas empresas”, diz André Rocha. Pelo menos três usinas, que estão entre as mais tradicionais usam terrenos com declividade superior a 12%. A presença de empreendimentos em determinadas regiões não será um fator inibidor à entrada de novas usinas, conforme define o zoneamento agroecológico.

Clima e relevo favorecem expansão

Por combinar fatores favoráveis de clima e relevo, o Cerrado passou a ser o principal foco para a expansão da cana-de-açúcar, inclusive com previsão legal no zoneamento agroecológico da União. Um estudo elaborado pela Conservação Internacional, organização não-governamental voltada ao meio ambiente, mostra que essa expansão pode ser desastrosa para o bioma. Duas grandes áreas em Goiás foram mapeadas como atrativas para dezenas das 615 usinas de álcool previstas no País até 2025. Uma dessas áreas, ao norte do Estado, tem 12% de cobertura vegetal. A outra, no sudoeste, tem apenas 5% de cobertura nativa. Em nenhuma das duas há unidades de conservação que assegurem a preservação da mata nativa.

Ainda conforme o estudo da Conservação Internacional, a área ao norte do Estado já tem 75% de uso intensivo do solo. O restante depende de proteção e restauração. O secretário estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos, Roberto Freire, reconhece que o zoneamento ecológico-econômico ainda não tem “pontos práticos”. A instalação de novas usinas de álcool em Goiás, segundo ele, segue regras definidas em uma instrução normativa de 2007.

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

A Volta da Energia Nuclear.

Roberto Malvezzi (Gogó)

Existe uma íntima correlação entre a crise energética e o aquecimento global, afinal, o aquecimento é fruto particularmente da queima de combustíveis fósseis, que emitem CO2, o gás básico do efeito estufa. Diante da crise energética mundial, aprofundada pelo aquecimento global, a energia nuclear voltou ao topo do debate. Se durante muitos anos ela foi contestada pelo movimento ambientalista, agora produz contradições mesmo dentro dele, a exemplo do renomado cientista James Lovelock. Para ele, a energia nuclear é a panacéia para a crise de energia e a única resposta imediata ao aquecimento global.

Segundo Lovelock, diante da tragédia que pode ser o aquecimento global, todos os outros problemas atuais da humanidade são irrelevantes. Ele defende a teoria, testada em modelagem de computador que, se a concentração de CO2 atingir 500 ppm (parte por milhão) na atmosfera, as algas marinhas morrerão e o aquecimento deixará de ser gradativo para explodir de forma incontrolável. A única forma de evitar esse apocalipse seria a retomada imediata da energia nuclear. Só essa matriz energética teria a capacidade de suprir toda a demanda da humanidade atual, substituindo completamente o uso das energias advindas de matriz fóssil – carvão, petróleo, gás, etc. – e dessa forma evitar a emissão de CO2 na atmosfera. Nesse caso, vê o uso da energia atômica como um mal menor, até que as demais fontes consideradas limpas – solar, eólica, etc. – realmente possam suprir a energia necessária para bancar a civilização humana.

Lovelock merece respeito e sua tese merece consideração. Entretanto, ele não questiona o uso predador de energia pela civilização contemporânea e quer salvar o modelo civilizatório a qualquer preço. Mais, o que pode ser a saída para os paises frios, não precisa ser para um país tropical como o nosso.

Cientistas brasileiros afirmam que o Brasil tem sim potencial eólico, solar e de biomassa suficiente para evitar o investimento em energia nuclear. Ainda mais, o Brasil precisa adotar um plano de eficiência energética, já que nosso desperdício é da ordem de 15% do total, suficiente para abastecer todo o Nordeste durante um ano (www.ietec.com.br).

O retorno brasileiro à energia nuclear, com mais seis usinas até 2030, sendo duas no Vale do São Francisco, assusta o povo brasileiro, particularmente os ambientalistas. Sua contribuição será de apenas 5% na demanda elétrica do país. Embora a geração dessa energia não emita CO2, a humanidade ainda não está totalmente segura em relação aos seus resíduos. Ainda mais, nada garante que a multiplicação de energia nuclear terá sempre fins pacíficos, embora as regras internacionais sejam absolutamente severas. Portanto, minimizar os riscos dessa matriz energética também pode ter conseqüências graves.

O Brasil ainda tem tempo, outras fontes de energia seguras e limpas que podem ser exploradas num mixer gigantesco antes de pensar em intensificar seu programa nuclear.



Publicado originalmente na Família Cristã, N0 873, pg. 38.

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

O PDOT E A QUESTÃO AMBIENTAL

Luiz E. B.Mourão Sá*


A flora e a fauna do DF são ricas e variadas.

Levantamentos botânicos registram a ocorrência de cerca de 2000 espécies de plantas superiores (flor e semente), distribuídas em 600 gêneros pertencentes a 150 famílias. A maior parte dessas espécies (cerca de 800) é natural dos campos, cerrados e outros ambientes diferentes de mata, onde ocorrem cerca de 1200 espécies.

A fauna local, por sua vez, é comparável às existentes na Amazônia e na Mata Atlântica, considerada das mais ricas do Brasil. Tal riqueza deve-se tanto à localização singular do DF, no ponto de encontro das três grandes bacias hidrográficas brasileiras, quanto à diversidade de seus habitats. Estima-se em aproximadamente 60.000 o número de espécies animais que habitam a região.

Submetido a intenso processo de urbanização, no entanto, esse quadro natural comporta uma série de problemas ambientais tais como: distintas formas de poluição do ar, solo e águas; surgimento de processos erosivos superficiais e subterrâneos; problemas relacionados à escassez de água tanto para abastecimento urbano, quanto para irrigação; redução da vegetação natural, etc.

Todos os problemas ambientais observados aqui no DF deveriam nortear a definição de políticas públicas que levassem em consideração a utilização adequada do espaço territorial e dos recursos hídricos destinados para fins urbanos e rurais, mediante uma criteriosa definição de uso e ocupação, normas e projetos, implantação, construção e técnicas ecológicas de manejo, conservação e preservação, bem como de tratamento e disposição final de resíduos e efluentes de qualquer natureza.

Tal, entretanto, não aconteceu até hoje, e, ao que tudo indica, tem pouca probabilidade de ocorrer em futuro próximo haja vista a revisão do PDOT em andamento.

É sabido que, de uma maneira geral, o processo de implantação de atividades no território, está subordinado ao PDOT, no sentido de indicar possibilidades de ocupações territoriais.

Deveria ele ser construído, levando em consideração os diversos Planos e Políticas que impactam o uso do solo como o Gerenciamento Integrado de Resíduos Sólidos, o Gerenciamento dos recursos Hídricos, o Plano de transporte, o sistema Distrital de Unidades de Conservação e um sistema integrado de vigilância do uso do solo e dos recursos hídricos, bem como o Zoneamento Ecológico Econômico, o famoso ZEE, que trata de integrar todas as questões relativas às possibilidades de uso econômico com os diversos zoneamentos ambientais das Unidades de Conservação do DF.

Mais uma vez, aqui, nos encontramos em terreno onde os fatores da “equação” não se encontram e não dialogam, promovendo apenas a visão urbanística e de desenvolvimento econômico que nada tem a ver com as possibilidades que os recursos ambientais do território oferecem.

Com base na análise dos problemas e das políticas setoriais que existem ou deveriam existir passaremos a proceder a alguns indicativos, de caráter preliminar, que poderiam ser usados como parte do processo de discussão que não existiu, mas que é de todo necessário para a continuidade dos trabalhos de revisão do PDOT:

· Áreas ambientalmente sensíveis, como as áreas de proteção de mananciais, devem ser objeto de maiores preocupações quando da alocação de determinadas atividades vizinhas e nunca serem fruto de diminuição ou mesmo de extinção. Estas áreas devem ser também confirmadas e expandidas pelo zoneamento ecológico-econômico;

· Deve-se procurar manter e caracterizar um cinturão de proteção das Unidades de Conservação e áreas ambientalmente sensíveis destinado a manter e ampliar a qualidade de vida dos cidadãos bem como preservar os serviços ambientais tão necessários à vida neste espaço dotado de recursos tão escassos em termos hídricos;

· As áreas com conflitos graves quanto ao uso múltiplo da água devem ser objeto de atenção por parte do PDOT, no sentido de alertar os órgãos responsáveis para a necessidade de estudos emergenciais para indicação de prioridades e/ou estratégias de ocupação;

· Um aspecto da maior importância para uma estruturação territorial equilibrada, é a localização de aterros sanitários. O PDOT deveria conter uma orientação clara, senão definidora, para a indicação de áreas prioritárias e/ou elaboração de estratégias de localização de aterros, pelas evidentes repercussões territoriais que comporta;

· Quanto às áreas de proteção de mananciais, o PDOT deveria, de uma vez por todas, dentro de um Sistema Distrital, incorporar as poligonais dos mananciais da CAESB em Unidades de Conservação, assumindo as indicações relativas a seu uso e ocupação, bem como as integrando aos demais espaços do “Cinturão Verde” do DF;

. A ocupação das áreas rurais e a questão da propriedade da terra nos diversos núcleos rurais devem ser enfrentadas como forma de balancear o urbano com o rural visando à construção de uma política que não só permita gerar renda ao pequeno produtor/agricultor familiar mas, também, promova, com atividade econômica, a proteção da qualidade de vida dos cidadãos e a manutenção do cinturão verde do DF.

· Em relação à questão do futuro abastecimento de água para o Distrito Federal, o PDOT deveria respeitar as possibilidades limitadas deste recurso hídrico, limitando o adensamento de uma forma geral no território, promovendo uma priorização para a habitação de interesse social e abrindo a “caixa preta” da TERRACAP para uma discussão ampla com a sociedade que levasse à construção de um pacto social com base no território

· outro assunto que deveria ser incorporado é o tratamento adequado, por Lei Complementar, da questão da criação de um sistema integrado de vigilância e uso do solo e recursos hídricos, fundamental para impedir a ocupação indevida que traz pelas repercussões óbvias ao quadro do uso e ocupação do solo.


* Ambientalista, Representante da Sociedade Civil no Conselho de Meio Ambiente do DF (CONAM-DF), Secretário-Executivo do Forum das ONGs Ambientalistas do DF e Entorno, Presidente do Instituto para o Desenvolvimento Ambiental – IDA, representante da Sociedade Civil no Conselho Deliberativo do Fundo Nacional do Meio Ambiente, membro da Comissão Pró-Federação em Defesa do DF.

RESISTÊNCIA DA SOCIEDADE:Transgênicos podem estar com os dias contados na Europa.

Cresce entre a população européia o movimento contra os transgênicos, já proibidos em vários países. França, Hungria e Polônia, principais produtores europeus de cereais, proibiram o cultivo de milho transgênico em seus territórios e a Alemanha está no caminho de fazer o mesmo. Na Espanha e em Portugal, dois redutos da produção de milho transgênico, cresce questionamento sobre benefícios do cultivo.

LISBOA - As pressões da presidência da Comissão Européia não conseguiram dar um impulso nos transgênicos. Apesar do poder do órgão executivo do bloco, os países da União Européia vão gradualmente desistindo destes cultivos. Isto se deve em grande parte às dificuldades para convencer os agricultores europeus deste modelo impulsionado por grandes multinacionais da indústria agroalimentar, mas também pelos crescentes protestos da sociedade civil, que reclamam dos governos um papel ativo, segundo uma especialista entrevistada pela IPS.

Os organismos geneticamente modificados (OGM), comumente chamados de transgênicos, são variedades obtidas em laboratório, por meio da introdução de genes de outras espécies, animais ou vegetais, para melhorar propriedades ou dar resistência a fatores externos. Para a alteração genética são utilizados vetores, como vírus ou bactérias. Na Espanha e em Portugal, dois redutos da produção de milho transgênicos com as maiores áreas plantadas na União Européia, se começa a questionar os benefícios de plantar e colher essas variedades do cultivo originário da América, onde foi alimento básico de várias culturas aborígines.

O milho demorou a entrar na Europa devido à sua presença nas zonas americanas dominadas pelos espanhóis, que durante a era católica da Santa Inquisição consideravam que não se devia comer alimentos dos indígenas porque estes não eram “filhos de Deus”. Muito usado hoje como ração para animais, o milho foi objeto de uma forte polêmica inclusive dentro da Comissão Européia. Por um lado, seu presidente, José Manuel Durão Barroso, defende um aumento significativo da produção de milho transgênico na UE, apesar da oposição do comissário europeu de Meio Ambiente, Stavros Dimas.

Em outubro de 2007, Dimas propôs aos demais membros do Executivo do bloco de 27 países proibir o cultivo das variedades transgênicas Bt-11 e 1507, devido a evidências científicas sobre seu impacto ambiental negativo. “Mas, o senso majoritário na Comissão é a favor dos OGMs, e a decisão final foi adiada duas vezes por falta de consenso”, explicou à IPS a bióloga portuguesa Margarida Silva, coordenadora nacional da Plataforma Transgênicos Fora, integrada por 12 organizações não-governamentais de Portugal da áreas de meio ambiente e agricultura, associada ao seus congêneres do bloco.

Barroso tentou convencer Dimas a levantar sua objeção em abril deste ano, a tempo de pedir uma avaliação à Autoridade Européia de Segurança Alimentar, “com o propósito de retirar legitimidade da proposta do comissário”, disse a bióloga e catedrática universitária. “Não é muito o que os europeus podem fazer, mas a força dos números continua jogando a nosso favor, e com eles podemos fortalecer Dimas”, ressaltou. Esta especialista explicou que “na sociedade civil de toda a Europa cresce o movimento contra os transgênicos, já proibidos em vários países”.

As políticas da União Européia nessa área se baseiam na Regulamentação 1829 sobre alimentos e rações geneticamente modificados, adotada em 2003, e na Diretriz 18 de 2001, sobre liberação deliberada de transgênicos no meio ambiente. De acordo com essa norma, o cultivo e consumo de OGM só pode ser autorizado após uma “rigorosa avaliação de seus riscos”. O estudo de riscos para a saúde humana e animal é responsabilidade da Autoridade Européia de Segurança Alimentar. Mas, a autorização dos OGM depende em última instância dos países do bloco.

No centro da polemica está o milho, um dos quatro alimentos básicos da humanidade, junto com o arroz, o trigo e a batata, segundo a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO), e que tem produção de 677 milhões de toneladas por ano, destinada em sua maior parte à alimentação animal. Do total da produção global, o continente americano responde por 58%, boa parte cabendo aos Estados Unidos, berço dos OGM. Este país é o primeiro produtor, com quase a metade do volume mundial. Suas plantações consomem grandes quantidades de fertilizantes e herbicidas e incorporam variedades hibridas e transgênicas.

Os críticos como Margarida Silva lembram que já foi provado que a abundante quantidade de herbicidas usados em plantações transgênicas contamina os solos, e a diversidade de espécies também está em risco. Os críticos também dizem que os grãos geneticamente modificados desenvolvem imunidade, exigindo doses mais fortes de agroquímicos, prejudicando o meio ambiente e levando a uma uniformização das sementes, que terão cada vez mais as mesmas características. Também rebatem o argumento de que as plantações transgênicas, por sua grande produtividade, podem colaborar para elevar a produção de comida e acabar com a fome no mundo. “O interesse não é esse, mas os grandes agronegócios de exportação, atualmente voltados à indústria transgênica”, disse a especialista.

Os defensores da opção transgênica garantem que não há outra saída diante da duplicação da população mundial nos próximos 40 anos, que obrigará a aumentar a produção alimentar em cerca de 250%. Na Península Ibérica existe um grande movimento unificado para conseguir uma moratória no cultivo de transgênicos, seguindo a decisão adotada em março pela França apelando à chamada “cláusula de salvaguarda”, que permite aos membros da União Européia passar por cima da direção comunitária.

Margarida Silva recordou que Paris baseou sua decisão “em um conjunto de 25 estudos científicos que apontam para a existência de riscos para o ambiente, a agricultura e a saúde humana quando é usada a variedade de milho geneticamente modificado”. Em Portugal, a especialista deu como exemplo a região de Alentejo, que compreende um terço dos 92 mil quilômetros quadrados do território nacional, onde “metade das propriedades abandonaram o cultivo de transgênico”. Os agricultores preferem “tecnologias práticas mais eficazes, que apresentem menos riscos para o ambiente, a saúde humana e para a própria economia”, afirmou.

Embora, “contrariando a lei, o Ministério da Agricultura insista em não divulgar dados, o quadro português aponta para um ciclo de experimentação e posterior abandono dos cultivos transgênicos por uma quantidade significativa de produtores”, afirmou Margarida Silva. Essa tendência “é conseqüência de um estudo da UE recentemente divulgado, em que de três regiões estudadas, o cultivo de milho transgênico não propiciava nenhuma vantagem econômica aos produtores de duas delas”, acrescentou.

A bióloga recordou que o experimento dos transgênicos na Península Ibérica esteve desde 2005 a cargo principalmente da Pioneer Hi-Bred International, a companhia de sementes do grupo norte-americano DuPont, e da empresa suíça Syngenta, “firmas com amplo histórico de contaminação da agricultura européia”. Além de Portugal, os experimentos destas multinacionais “já afetaram agricultores na Alemanha, Áustria, Croácia, Eslovênia, Espanha e Itália”, ressaltou Margarida Silva.

Quando França, Hungria e Polônia, principais produtores europeus de cereais, proíbem o cultivo de milho transgênico em seus territórios e a Alemanha está no caminho de fazer o mesmo, os países ibéricos deveriam seguir o mesmo rumo, recomendou a especialista. Ela fustigou a autorização por três anos dada pelo governo português às duas multinacionais que se associaram para experimentos nas comarcas de Monforte e Rio Maior, no centro do país, e em Ponte da Barca, no extremo norte.

A luz verde para Syngenta e Pioneer “não tem sentido econômico, é imoral e põem em risco toda a imagem verde a natural dessas áreas municipais e suas respectivas potencialidades turísticas, com uma aprovação cujo objetivo é aplicar mais herbicidas em um país que já sofre o excesso de consumo de agroquímicos”, disse Margarida Silva. (IPS/Envolverde)

http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=15214&boletim_id=454&componente_id=8138

Turismo Sustentável. Turismo pode ser recurso na luta contra o desmatamento

Pesquisa mostra que atividade turística ajuda a preservar remanescentes da mata atlântica no interior de São Paulo


Eduardo Geraque

Uma semente do que pode vir a ser o tão discutido desenvolvimento sustentável germina em três regiões do interior de São Paulo. E o adubo desse processo, conforme mostra um estudo do diretor de Graduação do Senac-SP, Eduardo Ehlers, vem do turismo voltado para o meio ambiente. Ao depender diretamente da natureza para existir, algumas atividades turísticas acabam servindo, também, como fortes armas contra o desmatamento.

"Estamos longe, ainda, de uma situação ideal", avisa Ehlers, agrônomo de formação. Na pesquisa feita por ele com dados de 2003 - cuja tendência, segundo ele, é a mesma hoje -, três focos de preservação ambiental foram detectados, de acordo com os números do desmatamento da mata atlântica para cada município paulista. Ao todo, esses focos abrangem mais de 40 municípios. "Não é uma simples quimera", diz.

A primeira dessas manchas, por incrível que pareça, surge na região de Brotas, onde a cana-de-açúcar tem uma forte presença, especialmente nesse período em que o biocombustível interessa a todo mundo. Por estar longe da Serra do Mar, onde a floresta atlântica ainda resiste de certa forma, os remanescentes florestais que existem na área chamaram a atenção de Ehlers. Em números atualizados em 2008, o Atlas da Mata Atlântica, elaborado pela ONG SOS Mata Atlântica, mostra que Brotas ainda tem 10% de seu território coberto por matas nativas. Hoje, em todo o Brasil restam apenas 7% desse bioma. A floresta atlântica, que vai do Sul do Brasil até o Nordeste, é o ecossistema mais devastado do país (ver boxe).

Após vários mapas e tabelas de dados, o pesquisador resolveu ir a campo para perceber se aquelas três manchas com vegetação em boa quantidade tinham algo em comum. "Sem dúvida, tanto em Brotas quanto em uma região do Vale do Paraíba (Campos do Jordão e arredores) e na área de Águas de Lindóia, o turismo ligado ao ambiente apareceu como uma atividade importante", diz Ehlers.

Não foram apenas os números - as entrevistas feitas nos municípios, com os gestores locais, também constataram que o turismo realmente é um dos fatores que ajudam na preservação da mata atlântica. Mas ele não é o único e nem o principal, muito pelo contrário, segundo o pesquisador.

A fiscalização intensiva, a própria regeneração natural das matas e até as características geográficas dos municípios, muitos em áreas acidentadas, formaram um caldo que acabou favorecendo a preservação ambiental. O retrocesso da atividade agropecuária, em determinados casos, também é um fator importantíssimo, segundo Ehlers, para a regeneração da mata. No entanto, mesmo os proprietários locais não percebem muito o papel desse fator. "Com o turismo de natureza em alta, nesses locais, o custo/oportunidade da conservação é mais favorável", diz o pesquisador.

O problema, especificamente em Brotas, onde o agronegócio se faz presente, é que esse tipo de turismo está cada vez mais difícil de ficar fortalecido. "Há dez anos nós não observávamos areia nos fundos dos rios, por exemplo", diz Carlos Zaith, um dos empreendedores da cidade de Brotas, proprietário da H2Ome, agência de esportes de aventura na região. "Isso, claro, é culpa da cana-de-açúcar"

, explica o empresário e fotógrafo, que trocou a capital pelo interior há quase 20 anos. "Existe uma preocupação dos empresários daqui de preservar a natureza, e o turismo acaba ajudando nisso. Mas não sabemos se, daqui a dez anos, teremos os recursos naturais de hoje."

Os próprios dados de vários institutos de pesquisa dão razão a Zaith. Tanto o cerrado quanto a mata atlântica paulista, naquela região específica do estado, estão sendo sufocados pelas plantações de cana-de-açúcar. Além de Brotas, os municípios "verdes" nas chamadas "cuestas" paulistas são Dourado, Corumbataí, Torrinha e Analândia. "Tivemos um boom do turismo de aventura na região há uns dez anos, mas agora isso não acontece mais, embora o turismo continue a ser algo rentável por aqui", conta o empresário.

Aliados da preservação

Mas não é apenas o turismo de aventura um dos catalisadores da preservação ambiental em algumas áreas paulistas. Os polêmicos condomínios de final de semana, segundo o estudo de Ehlers, apesar do impacto inicial que costumam causar, no médio prazo acabam sendo um aliado da preservação. "Essas regiões usadas como segundas residências também têm importância. As pessoas que vão para esses locais não estão interessadas, normalmente, em desmatar." As propriedades que se voltam para o passado e tentam preservar suas características culturais para atrair o turista, como as fazendas de época, também colaboram bastante, diz Ehlers.

Isso ocorre, em alguns casos, na mancha verde detectada pelo pesquisador no Vale do Ribeira e na Serra da Mantiqueira. A lista dos principais municípios, na região da Mantiqueira, é formada por Campos do Jordão (a urbanização em alta escala ocorre apenas no centro, por enquanto), Monteiro Lobato e São Bento do Sapucaí.

Mas não é apenas a pressão do agronegócio que preocupa. A própria organização dos empreendedores nessas três manchas detectadas pelo agrônomo é um problema que precisa ser mais equacionado.

Em nenhum dos casos, segundo Ehlers, houve uma grande orquestração administrativa prévia para que tais regiões, ricas em mata atlântica, pudessem se desenvolver. "Em alguns casos, como em Brotas, uma associação de empreendedores acabou sendo formada. E só depois o poder público entrou também no circuito."

Em todos os casos, a prefeitura das cidades é parte interessada, porque muitos desses locais têm boa parte de sua renda, algo ao redor dos 30%, como em Brotas, atrelado aos dividendos turísticos.

"Eu comparei também os IDHs (Índices de Desenvolvimento Humano) desses municípios. É possível dizer que existe um certo capital social em ebulição nesses locais", explica Ehlers. No caso da mancha do Circuito das Águas (Águas de Lindóia, Joanópolis, Piracaia, Itatiba, Socorro e Igaratá), os arranjos locais ao redor das chamadas "amenidades rurais" já estão mais organizados, na visão de Ehlers.

Em Águas de Lindóia, por exemplo, a concentração de empreendimentos está diretamente relacionada ao aproveitamento das amenidades rurais. "Nesses locais, o índice de microempresas é um dos mais altos do estado", lembra Ehlers. As malharias ajudam a fomentar esses números.

Apesar de acreditar no desenvolvimento sustentável e de saber que essas manchas de mata atlântica identificadas em São Paulo são apenas um primeiro passo em direção ao futuro distante, Ehlers tem a clara noção de que o turismo é um bom catalisador, mas desde que bem controlado. O outro lado da moeda - e Ehlers acaba de voltar de Galápagos, onde a pressão turística está preocupante - pode levar tudo a perder. Exemplos disso não faltam, inclusive em solo brasileiro (ver boxe).

Mesmo com a constatação de que existem manchas de recuperação da mata atlântica paulista e de que o turismo tem a ver com isso em alguns casos, Ehlers faz questão de dizer que essa correspondência não gerou um "modelo".
As situações verificadas nas regiões paulistas do Circuito das Águas, das "cuestas" e da Serra da Mantiqueira, segundo o pesquisador, não podem ser facilmente multiplicadas em qualquer parte do estado. "Mas há fortes evidências de que a instalação de mecanismos participativos de planejamento e de gestão, a clara definição de direitos de propriedade e o estabelecimento de regras de uso dos recursos naturais ajudam a fortalecer as relações de confiança entre os indivíduos e as organizações, criando um ambiente mais institucional, mas favorável ao empreendedorismo e à conservação."

A partir dessas sementes é que o tão discutido conceito de desenvolvimento sustentável - que muitos acadêmicos julgam utópico ou impossível de ser colocado em prática - poderá ganhar contornos mais reais. "É apenas um caminho", concorda Ehlers. No caso específico do Brasil, com os estudos apontando, por exemplo, que o semi-árido nacional será o grande prejudicado pelas mudanças climáticas (região onde vivem mais de 20 milhões de pessoas), instaurar de fato algo que lembre um desenvolvimento em harmonia com a natureza poderá ser a única saída.

"Na verdade, no início do meu trabalho, minha primeira idéia era averiguar se estava ocorrendo realmente o desenvolvimento sustentável em algumas regiões de São Paulo." Os próprios resultados do trabalho mostram o motivo que levou o pesquisador a desistir da sua pergunta científica inicial.

Itacaré pressionada
Crescimento desordenado, degradação ambiental, especulação imobiliária e exclusão da população nativa. A lista de problemas que já existem na região de Itacaré, no sul da Bahia, conforme mostra estudo feito pelo economista Elton Oliveira, da FacSul - Faculdade do Sul, de Itabuna (BA), e publicado na revista científica Interações (www.scielo.br), é um contraponto importante, que revela do que o turismo também é capaz.

A transformação provocada pela chegada dos turistas na região, e também pelo capital que vem de fora, acaba estabelecendo uma nova ordem, construída de fora para dentro, o que altera bastante o cotidiano local, diz o pesquisador em seu trabalho.

Levando em consideração os dados da consultoria HVS Internacional, que trabalha para o Instituto de Turismo de Itacaré, o fluxo de turistas para a região é de 120 mil pessoas por ano. Isso, diz Oliveira, ultrapassaria em mais de cinco vezes a capacidade instalada da região.

Combater a alta concentração de pessoas na região, ainda mais na alta estação, é uma preocupação que precisa constar das políticas públicas locais, diz o economista. Segundo ele, se isso não for feito "a sustentabilidade da atividade turística na região ficará comprometida no longo prazo".

O exemplo baiano é quase uma prática em várias cidades litorâneas do Brasil. Em São Paulo é comum, como mostram os dados da Cetesb, que as praias fiquem impróprias para o banho, entre outros motivos, por causa da ausência de uma cobertura de esgoto em 100% das casas. São comuns também os conflitos de uso e ocupação do solo na cidade de Florianópolis (SC), que também recebe, nos verões, muitos turistas nacionais e estrangeiros. Muitas praias do Nordeste, além de Itacaré, vivem os mesmos dilemas de como entender o que é o desenvolvimento sustentável.


O avanço do desmatamento
Mesmo com a constatação de que a preservação ambiental em alguns municípios paulistas ocorre por causa do turismo, a situação da mata atlântica está muito longe de ser considerada boa. Muito pelo contrário. Restam apenas 7% desse bioma, que começou a ser destruído com a chegada dos portugueses na costa brasileira.

Depois da exploração do pau-brasil, as sucessivas lavouras, como a de café e agora a de cana-de-açúcar, também contribuíram para aumentar a gravidade do problema. Ele só é menor, normalmente, em áreas de serra. Hoje, em São Paulo, as maiores concentrações dessa floresta estão no sul do estado, na região de Cananéia. A Ilha do Cardoso, por exemplo, próxima ao Paraná, é um dos redutos mais intocados que existem hoje com esse tipo de vegetação.
Originalmente a mata atlântica, que ocorre no Sul do país, desde o Rio Grande do Sul, ocupava uma extensa área, que se esticava até o Piauí. Eram 15% do território brasileiro (1,3 milhão de quilômetros quadrados) que estavam ocupados por esse tipo de mata. Grandes remanescentes ainda existem, também, exatamente no sul da Bahia, onde Cabral descobriu o Brasil. Hoje, aproximadamente 62% da população brasileira vivem em zonas ocupadas ou já preenchidas, no passado, pela floresta atlântica, que apresenta uma série de fisionomias botânicas diferentes.

A grande preocupação dos ambientalistas brasileiros, além da extinção completa desse tipo de vegetação, é que os demais biomas nacionais possam, em um futuro próximo, se igualar ao bioma atlântico.

A situação mais confortável, apesar de toda a discussão recente, é a da Amazônia. Até hoje, apenas 19% dessa floresta sofreram com algum tipo de alteração. O cerrado e a caatinga estão em uma disputa acirrada para ver quem se aproximará primeiro dos índices negativos da mata atlântica, caso o desenvolvimento sustentável não seja, de fato, implantado no Brasil. Hoje ambos estão com apenas 40% de suas formações originais absolutamente intactas. O Pantanal, outro dos grandes biomas nacionais, ainda tem uma situação até certo ponto confortável, mais próxima à da Amazônia.

O turismo, assim como já ocorre na mata atlântica, poderá ser um importante fiel da balança não apenas na Amazônia e no Pantanal, mas até mesmo no cerrado e na caatinga - dois locais ameaçados também pelo aquecimento global, por causa do eventual aumento da desertificação -, ou, ainda, no caso dos campos sulinos. Nessa região, o exemplo de São José dos Ausentes (RS), bastante parecido com o de Brotas, deve ser lembrado.


Na Serra da Mantiqueira, as residências e condomínios de fim de semana são aliados na preservação


Brotas ainda tem 10% de seu território coberto por matas nativas, segundo dados do Atlas da Mata Atlântica


"Há evidências de que a instalação de mecanismos participativos de planejamento e de gestão, a clara definição de direitos de propriedade e o estabelecimento de regras de uso dos recursos naturais ajudam a fortalecer as relações de confiança entre os indivíduos e as organizações." - Eduardo Ehlers, diretor de graduação do Senac-SP

ESTAÇÃO ECOLÓGICA DO RANGEDOR: ENTRE O CONCRETO E O ASFALTO




Qualquer cidadão que, por um motivo ou por outro, vocifere seu carro, ou seja, vociferado em um ônibus pela Avenida Jerônimo de Albuquerque na altura do Cohafuma/Calhau, região nobre de condomínios residenciais, bairros de classe média e classe alta, de prédios públicos e empreendimentos privados, na ilha de São Luís, assentirá para si e para os consigo que as obras de emersão da futura Assembléia Legislativa do Maranhão regurgitam a passos largos e profundos para que os deputados estaduais cumpram com afinco as suas prerrogativas de legisladores o quanto antes, pois mal podem eles esperar que enxerguem os que chegam à Assembléia e os que a ultrapassam para se abrigar em um retábulo qualquer durante o dia.

Um cidadão mais desavisado refletirá consigo e, caso seja venturoso e com minutos de sobra para fazê-lo, com os outros sobre a imensa mata que circula à volta da futura Assembléia como se o futuro flexionado pelas empreiteiras, contratadas para as obras terrestres, aéreas e aquáticas sobre aquele e abaixo daquele morro, expressasse peremptoriamente que quaisquer acordos já firmados ou ainda por firmar serão creditados na conta daqueles que lutaram especialmente por esses acordos.

Cai bem na vista para o poder legislativo que a futura Assembléia seja erguida numa área inigualável do ponto de vista ambiental e inigualável também do ponto de vista fundiário, afinal os deputados estaduais recorreram a uma das ultimas manchas expressivas de floresta Amazônica na ilha de São Luís com o fim solene de erguer um dos prédios mais pujantes da história legislativa do Brasil a perder de vista.

Provavelmente, atraiu a futura Assembléia para a área do Rangedor a proximidade com a orla marítima de São Luis o que a capacita para ser um ponto turístico. Quer dizer, os deputados investindo em desenvolvimento sustentável. Nem dá para acreditar, mas é a pura verdade que, ao desmatar um trecho de um buritizal para interligar a rede de energia elétrica aos prédios já dispostos sobre o morro e ao escavar uma área úmida para aterrar e asfaltar, a futura assembléia investe em desenvolvimento sustentável.

Para que tudo isso esteja acontecendo, a Assembléia Legislativa do Estado do Maranhão encenou um acordo com a Secretaria de Estado do Meio Ambiente, na qual parte da área seria destinada para a futura assembléia e o restante para que se consumasse a estação ecológica do Rangedor. De certa forma, a futura assembléia virou a fiel depositária do pouco que ainda resta de mata na área nobre da ilha de São Luís. Um acordo desses foi bom para os dois lados, afinal o setor de fiscalização e de manutenção de unidades de conservação da SEMA não é dos melhores mesmo e a futura assembléia ganhou um imenso jardim, com o qual ela pode faturar na imagem como a única assembléia legislativa que cuida de uma reserva ambiental.

Acordo sujo

Miriam Leitão

A Petrobras, essa mãe, e as indústrias automobilísticas, as madrinhas, estão negociando nos bastidores a bênção do ministro Carlos Minc para manter a poluição do ar que mata três mil brasileiros por ano. A tentativa de adiar por mais tempo o cumprimento da resolução do Conama que manda reduzir o enxofre do diesel é um golpe inacreditável contra a saúde pública.

A Petrobras, que aqui não reconhece que o diesel com o alto teor de enxofre faça mal à saúde, promoveu ontem um seminário no Paraguai sobre as vantagens, para a saúde humana, de um diesel com menor teor de enxofre.

A resolução do Conama de 2002 mandava reduzir o nível de enxofre no diesel para 50 partes por milhão (ppm). Hoje, na área metropolitana, são 500 ppm e, nas demais áreas do país, são 2.000 ppm.

Na Europa e nos Estados Unidos, o nível de enxofre no diesel é de 10 ppm. Aqui, a Petrobras alega que é caro fazer este diesel, mas o próprio presidente Lula já disse que a empresa vai refinar diesel premium para exportar.

Para os nossos narizes e pulmões, pode ser o combustível sujo mesmo.

No Brasil, a indústria automobilística alega dificuldades técnicas para adotar o que eles chamam de Euro 4, o motor que roda com esse combustível mais limpo.

Mas, nos seus países de origem, essas empresas já utilizam tais motores, que também são fabricados aqui, apenas para exportação.

Montadoras como Volkswagen, Scania, Ford, Mercedes e Volvo devem achar que os pulmões brasileiros são de segunda categoria.

O desrespeito começou na Agência Nacional do Petróleo.

Para a resolução do Conama ser cumprida, era necessária uma regulamentação técnica da ANP, que adiou essa providência por cinco anos. Bastou o Movimento Nossa São Paulo entrar no Ministério Público contra a ANP e, em três semanas, a regulamentação saiu.

Ficou estabelecido, então, que, em 2009, a resolução entraria em vigor, mas a Petrobras e a indústria automobilística propuseram ao governo um novo adiamento.

A proposta feita pelas empresas ao Ministério do Meio Ambiente é reduzir o enxofre no diesel das áreas não metropolitanas de 2.000 ppm para 1.800 ppm e fornecer o diesel com 500 ppm apenas para ônibus - e somente em São Paulo e no Rio.

O MMA está tentando embrulhar para presente esse acordo abusivo. Quer enganar os brasileiros, dizendo que é uma vitória, porque as empresas aceitaram antecipar para 2012 o diesel a 10 ppm. O detalhe que finge não ver é que a redução para 50 ppm, que tinha que valer em todas as áreas metropolitanas para ônibus e caminhões já no ano que vem, vai ser novamente adiada.

A Anfavea confirma que está em negociações finais com os órgãos para adotar uma posição que seja "a melhor para todos". Não explica por que não poderia vender no Brasil veículos com motores que já são produzidos aqui. No país, há empresas que fabricam motores no padrão Euro 4 para exportar até para o México. Há um mês, a Petrobras nos respondeu com uma nota garantindo que mudaria o diesel em 2009, e que já estava em testes. Ontem, ela se negou a falar do assunto.

O empresário Oded Grajew, do Movimento Nossa São Paulo, argumenta que adiar a resolução é uma decisão que mata: - O enxofre expele uma partícula que é cancerígena e provoca problemas ao sistema respiratório. O cálculo é que 3.000 pessoas morrem por ano por causa da baixa qualidade do enxofre brasileiro - afirma.

O professor Paulo Saldiva, do Laboratório de Poluição Atmosférica da USP, vem fazendo uma ampla pesquisa sobre a poluição nas capitais brasileiras. Ele afirma que a poluição é, sim, um problema grave para a maioria das capitais que está estudando: Recife, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba e Porto Alegre. Saldiva diz que há um consenso mundial quanto aos impactos maléficos do enxofre no diesel na poluição do ar.

- A Petrobras considera o custo que vai ser para ela reduzir o enxofre no diesel, mas não considera esses custos para o Estado e para as comunidades, custos que não se tem como calcular.

A saúde pública não é levada em conta, não entra na conta dos custos que se tem com os combustíveis.

No Paraguai, a Petrobras patrocinou um seminário em que falaram alergistas, especialistas internacionais e funcionários da empresa sobre os malefícios do enxofre para a saúde. Lá é para vender o diesel 500 ppm num mercado dominado pelo produto venezuelano, que é de 4.000 ppm.

O Movimento Nossa São Paulo foi ao Conar contra a Petrobras e tirou do ar uma propaganda em que a empresa se diz ambientalmente responsável. Na sua defesa, a Petrobras afirmou que estava sendo vítima de "disputas político-partidárias".

Oded Grajew mandou cartas às diretorias mundiais da Scania, Mercedes, Volks, Ford e Volvo e a todos os membros do conselho de administração da Petrobras dizendo que elas poderão enfrentar processos na Justiça por manter o diesel poluente no Brasil.

Na semana que vem, as empresas e o governo farão nova reunião para tentar mudar a resolução do Conama.

Se o ministro Carlos Minc sacramentar esse adiamento vergonhoso, corre o risco de virar o ministro da Poluição. (Fonte: O Globo)


quinta-feira, 4 de setembro de 2008

O turismo do fim do mundo

Por Stephen Leahy*


No "turismo climático" misturam-se o interesse legítimo em proteger a natureza, um desejo exacerbado por ver raridades prestes a se extinguirem e a busca do lucro.

Toronto, 14 de janeiro (Terramérica) - Rápido! É preciso ver os ursos polares do Ártico, as geleiras antárticas e as pequenas ilhas do Pacífico antes que desapareçam para sempre por causa do aquecimento global. O desastre ambiental constitui uma nova fonte de renda para as agências de viagens que oferecem "turismo climático", com ofertas como "Veja a paradisíaca ilha de Tuvalu, que será tragada pelas águas do Oceano Pacifico nos próximos 30 a 50 anos, e o Pólo Norte antes que perca o gelo e os ursos polares".

Algumas empresas exploram a idéia de "veja agora antes que desapareça", explica ao Terramérica Ayako Ezaki, diretora de Comunicações da Sociedade Internacional de Ecoturismo (Ties), em Washington. Porém, "as companhias de ecoturismo são cautelosas porque queremos que nossos clientes vejam e depois atuem para proteger (esses lugares), evitando que desapareçam", acrescentou. A mudança climática está transfigurando o planeta. Algumas ilhas desaparecerão e outras emergirão na medida em que geleiras e plataformas de gelo derreterem. Animais e plantas se extinguirão de maneira acelerada enquanto a temperatura do planeta continuar aumentando.

"As mudanças climáticas estão tendo impacto em todos os aspectos do sistemas humanos e naturais, entre eles locais que são patrimônios mundiais", disse, em 2006, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). Centenas de sítios naturais e históricos insubstituíveis estão em perigo, como as antigas ruínas da Tailândia, arrecifes de coral em Belize, mesquitas do século XIII no Saara ou a Região Floral do Cabo, na África do Sul, segundo um estudo da Unesco. Também existe um forte, e talvez perverso, desejo em muita gente disposta a viajar para ver raridades como os últimos tigres ou as orquídeas sapatinho-de-dama ou uma geleira que derrete em ritmo acelerado.

Por essa razão, os cientistas são muito reticentes em revelar informações sobre estas espécies, inclusive para impedir que os colecionadores recolham amostras e as vendam pela Internet, disse ao Terramérica o biólogo Rranck Courcham, da Université de Paris-Sud. Porém, os turistas se aventuram a lugares cada vez mais distantes. "O turismo cresceu 4,3% anualmente nos últimos dez anos", disse Louise Oram, porta-voz do Conselho Mundial de Viagens e Turismo (WTTC), uma associação empresarial que reúne as cem principais companhias do setor. "E esse crescimento continuará", disse Oram ao Terramérica, de seu escritório em Londres.

No ano passado, a indústria do turismo faturou US$ 7 bilhões, equivalentes a 10,7% do produto bruto mundial. Além disso, é responsável, direta e indiretamente, por 231 milhões de empregos, assegurou Oram. O turismo é o principal gerador de riqueza e postos de trabalho no mundo, segundo o WTTC. Entretanto, também traz consigo um enorme impacto ambiental, algo que apenas começa a assumir, reconheceu Oram. O ecoturismo e o turismo natural - que incluiria o "turismo climático" - cresce quase três vezes mais rápido do que o setor em geral, calculou Ezaki.

Os operadores de ecoturismo tentam minimizar seus impactos, assegurou a diretora da Ties. "Quando o turismo não é sustentável prejudica o meio ambiente, e na Ties procuramos mudar isso", acrescentou. Embora os operadores da Ties prometam seguir um código de conduta verde, não existem inspeções e nenhum foi expulso por cometer infrações, admitiu Ezaki. O turismo de massa (as típicas férias em praias tropicais) não é sustentável e continuará sendo o principal problema. Os governos terão de tornar o mais ecológico possível cada aspecto desta atividade, acrescentou. "O setor precisa mostrar que o ecoturismo é emocionante e diferente, e que não é apenas para mochileiros ou ambientalistas", ressaltou.

Os turistas podem reduzir seu impacto pessoal utilizando vôos diretos e viajando por períodos mais prolongados, em lugar de fazer várias viagens curtas de poucos dias. Deveriam escolher o trem ou o ônibus onde for possível, e realizar passeios a pé ou de bicicleta, que oferecem uma nova maneira de conhecer um país, ressaltou Ezaki. "A chave do negócio é manter o ambiente limpo", disse ao Terramérica Prisca Campbell, da Quark Expeditions, uma agência de turismo verde dos Estados Unidos, especializada em viagens ao Ártico e à Antártida. Na Antártida, há muitos anos que há um acordo entre os operadores de turísmo com pautas rígidas para reduzir os impactos sobre essa região tão delicada, acrescentou.

"Os clientes nos dizem que viajam para ver pingüins, icebergs e geleiras e para conhecer o que fizeram os primeiros exploradores", disse Campbell. Embora os turistas não mencionem a mudança climática, seus guias os instruem sobre os impactos que estão causando nos dois pólos. E seis em cada dez visitantes dizem estar dispostos a agir contra o aquecimento global, acrescentou. "Não são turistas 'climáticos', mas alguns se converterão em ativistas 'climáticos'", assegurou Campbell.

* O autor é correspondente da IPS.

LINKS EXTERNOS

+Ilhas que podem sumir do mapa
http://www.tierramerica.info/nota.php?lang=port&idnews=92

+Tuvalu: Um pequeno luta para sobreviver
http://ipsnoticias.net/nota.asp?idnews=41646

+Mudança Climática - África do Sul: Reino floral perde a coroa
(http://ipsnoticias.net/nota.asp?idnews=41067)

+Sociedade Internacional de Ecoturismo, em inglês
http://www.ecotourism.org/

+Conselho Mundial de Viagens e Turismo, em inglês
http://www.wttc.org/

+Quark Expeditions, em inglês
http://www.quarkexpeditions.com/)

Legenda: Geleiras que derretem entusiasmam turistas ricos.
Crédito: Charly W. Karl

Artigo produzido para o Terramérica, projeto de comunicação dos Programas das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e para o Desenvolvimento (Pnud), realizado pela Inter Press Service (IPS) e distribuído pela Agência Envolverde.

(Envolverde/Terramérica)

Sobre resgates




Foto: Rafael Soledade Matos


Não aprendi a empinar pipas, mas a empilhar frases. E tive que me familiarizar com desmoronamentos. Por isso, procuro palavras regeneradas que façam algum traço de cor no céu. Eu não aprendi a desenhar fatos novos, mas a restaurar letras encontradas em entulhos e paisagens adoecidas pelo tempo. Às vezes, entre os destroços, eu descubro paradoxos como um mar de águas-vivas mortas. Às vezes, entre os escombros, eu recupero uma alegria virando pelo avesso a tristeza empoeirada. Um dia, eu reconstruí um poema apenas com os detritos de uma flor. E ressuscitei uma metáfora que estava dentro de uma frase irrecuperável...

Minha poesia nada mais é do que a tentativa de resgatar
essas emoções soterradas.
*
*
*
Marla de Queiroz
www.doidademarluquices.blogspot.com

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Um Movimento democrático global está prestes a eclodir



Paul Hawken, *


Ao longo dos últimos quinze anos tenho oferecido perto de mil palestras sobre o ambiente. Depois de cada palestra um pequeno grupo de pessoas se junta para conversar, perguntar, e trocar cartões de visita. Estas pessoas oferecendo os seus cartões trabalham nos assuntos mais pertinentes aos nossos dias: mudança de clima, pobreza, desmatamento, paz, água, fome, conservação, direitos humanos e mais. São do mundo das ONG´s também conhecido como a sociedade civil. Cuidam de rios e baias, educam os consumidores sobre a agricultura sustentável, colocam painéis solares em casas, fazem "lobbies" nos governos estaduais sobre poluição, enfrentam políticas de comércio favoráveis às corporações, se esforçam a tornar verdes as favelas, ou ensinam as crianças sobre o ambiente. Simplesmente, estão tentando resguardar a natureza e garantir a justiça.

Depois de uma viagem de uma semana ou duas, voltava com centenas destes cartões enfiados em vários bolsos. Eu arrumava-os na mesa da minha cozinha, lia os nomes, olhava os logotipos, imaginava as missões e ficava admirado a ver o que um grupo pode fazer a favor de outro. Depois, os colocava em gavetas ou sacos de papel, lembranças daquela viagem. Não conseguia jogá-los fora.

Ao longo dos anos os cartões se amontoavam, chegando aos milhares, e quando olhava aquelas sacolas no meu armário, chegava a me perguntar: alguém sabe quantos de tais grupos existem? No começo, era questão de curiosidade, mas lentamente comecei a desconfiar que alguma coisa maior estava acontecendo, um movimento social significativo que estava escapando o radar da cultura vigente.

Comecei a contar. Olhava os dados governamentais de diversos paises e, utilizando diversos métodos para aproximar-me do número de grupos ambientais e de justiça social a partir de dados de censo para impostos, eu inicialmente estimava que tivessem umas trinta mil organizações ambientalistas no mundo, quando acrescentava justiça social e organizações indígenas, o número ultrapassava cem mil. Eu então pesquisei movimentos sociais do passado para ver se tinha algum igual em escala e escopo, mas não encontrei nada.

Quanto mais pesquisava, mais eu descobria e os números continuavam a aumentar. Em levantar uma pedra descobri uma formação geológica. Descobri listas, índices, e pequenos bancos de dados específicos para certos setores ou áreas geográficas, mas nenhum conjunto de dados aproximou-se nem de longe a descrever o tamanho do movimento. Extrapolando dos arquivos acessados, me dei conta que o estimativo inicial de cem mil organizações estava errado por um fator de pelo menos dez. Agora achava que existem mais de um milhão de organizações trabalhando em prol de sustentabilidade ecológica e justiça social. Talvez dois.

Se for definir de uma forma convencional, isto não é um movimento. Os movimentos têm lideranças, ideologias. Você se torna membro de um movimento, estuda os propósitos e se identifica com um grupo. Você lê a biografia do(s) fundador(es) ou os escuta em fita ou em pessoa. Movimentos têm seguidores, mas este movimento não funciona assim., É disperso, sem formas definidas e ferozmente independente. Não há manifesto ou doutrina, nenhuma autoridade para verificar.

Procurei um nome, mas não há.

Historicamente, os movimentos sociais surgiram primariamente por causa de injustiças, desigualdades e corrupção. Estes males continuam presentes, mas uma nova condição existe que não há precedente: o planeta está com uma doença que ameaça a vida e que é marcada por degradação ecológica maciça e mudança de clima súbita. Ocorreu-me que talvez eu estivesse vendo alguma coisa orgânica, se não biológica. Em vez de ser um movimento no sentido convencional, será que é uma resposta coletiva à ameaça? É fragmentado por razões que são inerentes ao seu propósito? Ou é simplesmente desorganizado? Mais perguntas seguiram. Como funciona? Qual a velocidade de crescimento? Como é conectado? Porque está sendo em geral ignorado?

Depois de gastar anos pesquisando este fenômeno, inclusive criando com meus colegas uma banco de dados global destas organizações, tenho chegado à conclusão: este é o maior movimento social em toda a história, ninguém sabe do seu escopo. Como funciona é mais misterioso do que aparenta.

O que fica aparente é conclusivo: dezenas de milhões de pessoas ordinárias e nem tão ordinárias assim dispostas a confrontar o desespero, o poder e dificuldades incalculáveis para restaurar algum semblante de graça, justiça e beleza a este mundo.

Clayton Thomas-Muller fala para um encontro comunitário da nação Cree sobre os lixões no seu território em Alberta, Canadá, lagos de despejos tóxicos tão grandes que podem ser vistos do espaço. Shi Lihong, fundadora do Wild China Films (Filmes da China Silvestre) faz documentários com seu marido sobre os migrantes deslocados pela construção de grandes represas. Rosalina Tuyuc Velásquez, membro do povo Maya-Kaquchikel, luta para que sejam responsabilizados os esquadrões da morte, que já mataram dezenas de milhares de pessoas na Guatemala. Rodrigo Baggio resgata computadores de Nova York, Londres, e Toronto e os instala em favelas do Brasil onde ele e seus funcionários ensinam habilidades de informática a crianças pobres. O biólogo Janine Benyus fala para mil e duzentos executivos num fórum de negócios em Queensland sobre desenvolvimento inspirado pela biologia. Paul Sykes, voluntário para the National Audubon Society ( que luta em prol dos aves nos Estados Unidos) completa seu 52 em Contagem de Pássaros de Natal em Little Creek, Virgínia, se juntando a cinqüenta mil outras pessoas que contam 70 milhões de pássaros em um único dia. Sumita Dasgupta lidera estudantes, engenheiros, jornalistas, agricultores e Adivasis ( povo tribal) numa viagem a pé de dez dias através do Gujarat, explorando o renascimento de sistemas de captação de águas da chuva que está trazendo a vida de volta para áreas propensas à secas na Índia. Silas KpananÁyoung Siakor, que mostrou os elos entre a política genocida do então presidente Charles Taylor e o desmatamento ilegal em Libéria, agora cria políticas de certificação de madeira sustentável.

Estas oito pessoas, que talvez nunca venham a se conhecer, fazem parte de uma coalizão composta de centenas de milhares de organizações sem centro, crenças codificadas ou líderes carismáticas. O movimento cresce e se alastra em cada cidade e país. Praticamente toda tribo, cultura, língua, e religião faz parte, desde os Mongóis até Uzbekianos até Tamils. É composto de famílias na Índia, estudantes na Austrália, agricultores na França, os sem terra no Brasil, os bananeiros de Honduras, os "pobres" de Durban, aldeões em Irian Jaya, tribos indígenas na Bolívia, e donas de casa no Japão. As lideranças são agricultores, zoólogos, sapateiros e poetas.

O movimento não pode ser dividido porque está fragmentado - pequenos pedaços com elos frouxos. Forma, se junta, e dissipa rapidamente. Muitos dentro e fora o desprezam por ser sem poder, mas já derrubou governos, companhias e lideranças através do testemunhar, informar e amassar.

O movimento tem três raízes básicas: Movimento para justiça ambiental e social, e a resistência de culturas indígenas contra a globalização – todos dos quais se entrelaçam. Surge espontaneamente de diferentes setores econômicos, culturas, regiões e agrupamentos, resultando num movimento global, sem classe, diverso, alastrando mundialmente sem exceção. Num mundo complexo demais para ideologias construtivas, a palavra movimento pode ser pequena demais, porque este é o maior agrupamento de cidadãos da história.

Têm institutos de pesquisa, agências de desenvolvimento comunitário, organizações baseados em povoados e cidadãos, corporações, redes, grupos baseados em crenças, fundações. Defendem contra políticos corruptos e mudança de clima, predação corporativa e morte dos oceanos, indiferença do governo e pobreza endêmica, formas industrializadas de agricultura e plantio de madeira, esgotamento do solo e da água.

Descrever o tamanho deste movimento é como tentar segurar o oceano na sua mão. É tão grande assim. Quando uma parte aparece, o iceberg abaixo fica invisível. Quando Wangari Maathai ganhou o Prémio Nobel da Paz, os serviços de notícias não mencionaram a rede de seis mil organizações diferentes de mulheres na África plantando árvores. Quando escutamos de um despejo químico num rio, nunca é mencionado que quatro mil organizações nos Estados Unidos adotaram um rio, riacho ou córrego. Podemos ler que a agricultura orgânica é o setor de maior velocidade de desenvolvimento nos Estados Unidos, Japão, México e Europa, mas nenhuma conexão é feita com as mais de três mil organizações que educam agricultores, fregueses e legisladores sobre a agricultura sustentável.

É a primeira vez na história que um enorme movimento social não se juntou por volta de um "ismo". O que junta são idéias e não ideologias. A maior contribuição deste movimento é a ausência de uma idéia grande: no seu lugar oferece milhares de idéias práticas e úteis. No lugar dos "ismos" são processos, preocupações, e compaixão. O movimento demonstra um lado flexível, ressonante e generoso da humanidade.

Não é possível de definir. As generalidades são em grande parte imprecisas. É não-violento e de base; não tem bombas, exércitos nem helicópteros. Um vertebrado macho carismático não está no comando. O movimento não concorda em tudo e nunca concordará, porque isto seria uma ideologia. Mas compartilha um conjunto básico de compreensões fundamentais sobre a Terra, como funciona, e a necessidade de justiça e igualdade para todos os povos que participam nos sistemas do sustento da vida no planeta.

Este movimento sem nome promete oferecer soluções parta o que parecem ser dilemas insolúveis: pobreza, mudança de clima global, terrorismo, degradação ecológico, polarização da renda, perda de cultura. Não é atrapalhado com síndrome de tentar salvar o mundo: está tentando refazer o mundo.


É feroz. Não existe outra explicação para a coragem crua e o coração visto repetidas vezes nas pessoas que marcham, falam, criam, resistem e constroem. É a ferocidade do que significa saber que somos humanos e queremos sobreviver.


Este movimento não desiste e está sem medo. Não pode ser pacificado, amenizado ou oprimido. Não haverá um momento "Muro de Berlim", nenhuma assinatura de trégua, nenhuma manhã para acordar para o momento quando os super-poderes abandonam. O movimento continuará nas suas formas diversas. Não descansará. Não haverá nenhum Marx, Alexandre ou Kennedy. Nenhum livro pode explicá-lo nenhuma pessoa pode representá-lo nenhuma palavra pode englobá-lo, porque o movimento é o testamento vivo e sentiente do mundo vivo.

Acredito que prevalecerá. Não quero dizer conquistar ou causar danos a alguém. E não estou fazendo esta previsão como oráculo. Quero dizer que o pensamento que informa a mente do movimento – de criar uma sociedade condutiva à vida na Terra – reinará. Ela logo permeará a maioria das instituições. Mas até lá, mudará um número suficiente de pessoas para começar a reverter séculos de autodestruição desenfreada.

A inspiração não é conhecida de litanias do que é defeituoso; reside na vontade da humanidade de restaurar, reformar, recuperar, reimaginar e reconsiderar. Curando as feridas da Terra e do seu povo não requer santidade ou um partido político. Não é uma atividade liberal ou conservadora. É um ato sagrado.

Paul Hawken é empreendedor e ativista social morando na Califórnia. Este artigo é tirado do livro Blessed Unrest, a ser publicado pelo Viking Press, e é utilizado com permissão.