sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Turismo Sustentável. Turismo pode ser recurso na luta contra o desmatamento

Pesquisa mostra que atividade turística ajuda a preservar remanescentes da mata atlântica no interior de São Paulo


Eduardo Geraque

Uma semente do que pode vir a ser o tão discutido desenvolvimento sustentável germina em três regiões do interior de São Paulo. E o adubo desse processo, conforme mostra um estudo do diretor de Graduação do Senac-SP, Eduardo Ehlers, vem do turismo voltado para o meio ambiente. Ao depender diretamente da natureza para existir, algumas atividades turísticas acabam servindo, também, como fortes armas contra o desmatamento.

"Estamos longe, ainda, de uma situação ideal", avisa Ehlers, agrônomo de formação. Na pesquisa feita por ele com dados de 2003 - cuja tendência, segundo ele, é a mesma hoje -, três focos de preservação ambiental foram detectados, de acordo com os números do desmatamento da mata atlântica para cada município paulista. Ao todo, esses focos abrangem mais de 40 municípios. "Não é uma simples quimera", diz.

A primeira dessas manchas, por incrível que pareça, surge na região de Brotas, onde a cana-de-açúcar tem uma forte presença, especialmente nesse período em que o biocombustível interessa a todo mundo. Por estar longe da Serra do Mar, onde a floresta atlântica ainda resiste de certa forma, os remanescentes florestais que existem na área chamaram a atenção de Ehlers. Em números atualizados em 2008, o Atlas da Mata Atlântica, elaborado pela ONG SOS Mata Atlântica, mostra que Brotas ainda tem 10% de seu território coberto por matas nativas. Hoje, em todo o Brasil restam apenas 7% desse bioma. A floresta atlântica, que vai do Sul do Brasil até o Nordeste, é o ecossistema mais devastado do país (ver boxe).

Após vários mapas e tabelas de dados, o pesquisador resolveu ir a campo para perceber se aquelas três manchas com vegetação em boa quantidade tinham algo em comum. "Sem dúvida, tanto em Brotas quanto em uma região do Vale do Paraíba (Campos do Jordão e arredores) e na área de Águas de Lindóia, o turismo ligado ao ambiente apareceu como uma atividade importante", diz Ehlers.

Não foram apenas os números - as entrevistas feitas nos municípios, com os gestores locais, também constataram que o turismo realmente é um dos fatores que ajudam na preservação da mata atlântica. Mas ele não é o único e nem o principal, muito pelo contrário, segundo o pesquisador.

A fiscalização intensiva, a própria regeneração natural das matas e até as características geográficas dos municípios, muitos em áreas acidentadas, formaram um caldo que acabou favorecendo a preservação ambiental. O retrocesso da atividade agropecuária, em determinados casos, também é um fator importantíssimo, segundo Ehlers, para a regeneração da mata. No entanto, mesmo os proprietários locais não percebem muito o papel desse fator. "Com o turismo de natureza em alta, nesses locais, o custo/oportunidade da conservação é mais favorável", diz o pesquisador.

O problema, especificamente em Brotas, onde o agronegócio se faz presente, é que esse tipo de turismo está cada vez mais difícil de ficar fortalecido. "Há dez anos nós não observávamos areia nos fundos dos rios, por exemplo", diz Carlos Zaith, um dos empreendedores da cidade de Brotas, proprietário da H2Ome, agência de esportes de aventura na região. "Isso, claro, é culpa da cana-de-açúcar"

, explica o empresário e fotógrafo, que trocou a capital pelo interior há quase 20 anos. "Existe uma preocupação dos empresários daqui de preservar a natureza, e o turismo acaba ajudando nisso. Mas não sabemos se, daqui a dez anos, teremos os recursos naturais de hoje."

Os próprios dados de vários institutos de pesquisa dão razão a Zaith. Tanto o cerrado quanto a mata atlântica paulista, naquela região específica do estado, estão sendo sufocados pelas plantações de cana-de-açúcar. Além de Brotas, os municípios "verdes" nas chamadas "cuestas" paulistas são Dourado, Corumbataí, Torrinha e Analândia. "Tivemos um boom do turismo de aventura na região há uns dez anos, mas agora isso não acontece mais, embora o turismo continue a ser algo rentável por aqui", conta o empresário.

Aliados da preservação

Mas não é apenas o turismo de aventura um dos catalisadores da preservação ambiental em algumas áreas paulistas. Os polêmicos condomínios de final de semana, segundo o estudo de Ehlers, apesar do impacto inicial que costumam causar, no médio prazo acabam sendo um aliado da preservação. "Essas regiões usadas como segundas residências também têm importância. As pessoas que vão para esses locais não estão interessadas, normalmente, em desmatar." As propriedades que se voltam para o passado e tentam preservar suas características culturais para atrair o turista, como as fazendas de época, também colaboram bastante, diz Ehlers.

Isso ocorre, em alguns casos, na mancha verde detectada pelo pesquisador no Vale do Ribeira e na Serra da Mantiqueira. A lista dos principais municípios, na região da Mantiqueira, é formada por Campos do Jordão (a urbanização em alta escala ocorre apenas no centro, por enquanto), Monteiro Lobato e São Bento do Sapucaí.

Mas não é apenas a pressão do agronegócio que preocupa. A própria organização dos empreendedores nessas três manchas detectadas pelo agrônomo é um problema que precisa ser mais equacionado.

Em nenhum dos casos, segundo Ehlers, houve uma grande orquestração administrativa prévia para que tais regiões, ricas em mata atlântica, pudessem se desenvolver. "Em alguns casos, como em Brotas, uma associação de empreendedores acabou sendo formada. E só depois o poder público entrou também no circuito."

Em todos os casos, a prefeitura das cidades é parte interessada, porque muitos desses locais têm boa parte de sua renda, algo ao redor dos 30%, como em Brotas, atrelado aos dividendos turísticos.

"Eu comparei também os IDHs (Índices de Desenvolvimento Humano) desses municípios. É possível dizer que existe um certo capital social em ebulição nesses locais", explica Ehlers. No caso da mancha do Circuito das Águas (Águas de Lindóia, Joanópolis, Piracaia, Itatiba, Socorro e Igaratá), os arranjos locais ao redor das chamadas "amenidades rurais" já estão mais organizados, na visão de Ehlers.

Em Águas de Lindóia, por exemplo, a concentração de empreendimentos está diretamente relacionada ao aproveitamento das amenidades rurais. "Nesses locais, o índice de microempresas é um dos mais altos do estado", lembra Ehlers. As malharias ajudam a fomentar esses números.

Apesar de acreditar no desenvolvimento sustentável e de saber que essas manchas de mata atlântica identificadas em São Paulo são apenas um primeiro passo em direção ao futuro distante, Ehlers tem a clara noção de que o turismo é um bom catalisador, mas desde que bem controlado. O outro lado da moeda - e Ehlers acaba de voltar de Galápagos, onde a pressão turística está preocupante - pode levar tudo a perder. Exemplos disso não faltam, inclusive em solo brasileiro (ver boxe).

Mesmo com a constatação de que existem manchas de recuperação da mata atlântica paulista e de que o turismo tem a ver com isso em alguns casos, Ehlers faz questão de dizer que essa correspondência não gerou um "modelo".
As situações verificadas nas regiões paulistas do Circuito das Águas, das "cuestas" e da Serra da Mantiqueira, segundo o pesquisador, não podem ser facilmente multiplicadas em qualquer parte do estado. "Mas há fortes evidências de que a instalação de mecanismos participativos de planejamento e de gestão, a clara definição de direitos de propriedade e o estabelecimento de regras de uso dos recursos naturais ajudam a fortalecer as relações de confiança entre os indivíduos e as organizações, criando um ambiente mais institucional, mas favorável ao empreendedorismo e à conservação."

A partir dessas sementes é que o tão discutido conceito de desenvolvimento sustentável - que muitos acadêmicos julgam utópico ou impossível de ser colocado em prática - poderá ganhar contornos mais reais. "É apenas um caminho", concorda Ehlers. No caso específico do Brasil, com os estudos apontando, por exemplo, que o semi-árido nacional será o grande prejudicado pelas mudanças climáticas (região onde vivem mais de 20 milhões de pessoas), instaurar de fato algo que lembre um desenvolvimento em harmonia com a natureza poderá ser a única saída.

"Na verdade, no início do meu trabalho, minha primeira idéia era averiguar se estava ocorrendo realmente o desenvolvimento sustentável em algumas regiões de São Paulo." Os próprios resultados do trabalho mostram o motivo que levou o pesquisador a desistir da sua pergunta científica inicial.

Itacaré pressionada
Crescimento desordenado, degradação ambiental, especulação imobiliária e exclusão da população nativa. A lista de problemas que já existem na região de Itacaré, no sul da Bahia, conforme mostra estudo feito pelo economista Elton Oliveira, da FacSul - Faculdade do Sul, de Itabuna (BA), e publicado na revista científica Interações (www.scielo.br), é um contraponto importante, que revela do que o turismo também é capaz.

A transformação provocada pela chegada dos turistas na região, e também pelo capital que vem de fora, acaba estabelecendo uma nova ordem, construída de fora para dentro, o que altera bastante o cotidiano local, diz o pesquisador em seu trabalho.

Levando em consideração os dados da consultoria HVS Internacional, que trabalha para o Instituto de Turismo de Itacaré, o fluxo de turistas para a região é de 120 mil pessoas por ano. Isso, diz Oliveira, ultrapassaria em mais de cinco vezes a capacidade instalada da região.

Combater a alta concentração de pessoas na região, ainda mais na alta estação, é uma preocupação que precisa constar das políticas públicas locais, diz o economista. Segundo ele, se isso não for feito "a sustentabilidade da atividade turística na região ficará comprometida no longo prazo".

O exemplo baiano é quase uma prática em várias cidades litorâneas do Brasil. Em São Paulo é comum, como mostram os dados da Cetesb, que as praias fiquem impróprias para o banho, entre outros motivos, por causa da ausência de uma cobertura de esgoto em 100% das casas. São comuns também os conflitos de uso e ocupação do solo na cidade de Florianópolis (SC), que também recebe, nos verões, muitos turistas nacionais e estrangeiros. Muitas praias do Nordeste, além de Itacaré, vivem os mesmos dilemas de como entender o que é o desenvolvimento sustentável.


O avanço do desmatamento
Mesmo com a constatação de que a preservação ambiental em alguns municípios paulistas ocorre por causa do turismo, a situação da mata atlântica está muito longe de ser considerada boa. Muito pelo contrário. Restam apenas 7% desse bioma, que começou a ser destruído com a chegada dos portugueses na costa brasileira.

Depois da exploração do pau-brasil, as sucessivas lavouras, como a de café e agora a de cana-de-açúcar, também contribuíram para aumentar a gravidade do problema. Ele só é menor, normalmente, em áreas de serra. Hoje, em São Paulo, as maiores concentrações dessa floresta estão no sul do estado, na região de Cananéia. A Ilha do Cardoso, por exemplo, próxima ao Paraná, é um dos redutos mais intocados que existem hoje com esse tipo de vegetação.
Originalmente a mata atlântica, que ocorre no Sul do país, desde o Rio Grande do Sul, ocupava uma extensa área, que se esticava até o Piauí. Eram 15% do território brasileiro (1,3 milhão de quilômetros quadrados) que estavam ocupados por esse tipo de mata. Grandes remanescentes ainda existem, também, exatamente no sul da Bahia, onde Cabral descobriu o Brasil. Hoje, aproximadamente 62% da população brasileira vivem em zonas ocupadas ou já preenchidas, no passado, pela floresta atlântica, que apresenta uma série de fisionomias botânicas diferentes.

A grande preocupação dos ambientalistas brasileiros, além da extinção completa desse tipo de vegetação, é que os demais biomas nacionais possam, em um futuro próximo, se igualar ao bioma atlântico.

A situação mais confortável, apesar de toda a discussão recente, é a da Amazônia. Até hoje, apenas 19% dessa floresta sofreram com algum tipo de alteração. O cerrado e a caatinga estão em uma disputa acirrada para ver quem se aproximará primeiro dos índices negativos da mata atlântica, caso o desenvolvimento sustentável não seja, de fato, implantado no Brasil. Hoje ambos estão com apenas 40% de suas formações originais absolutamente intactas. O Pantanal, outro dos grandes biomas nacionais, ainda tem uma situação até certo ponto confortável, mais próxima à da Amazônia.

O turismo, assim como já ocorre na mata atlântica, poderá ser um importante fiel da balança não apenas na Amazônia e no Pantanal, mas até mesmo no cerrado e na caatinga - dois locais ameaçados também pelo aquecimento global, por causa do eventual aumento da desertificação -, ou, ainda, no caso dos campos sulinos. Nessa região, o exemplo de São José dos Ausentes (RS), bastante parecido com o de Brotas, deve ser lembrado.


Na Serra da Mantiqueira, as residências e condomínios de fim de semana são aliados na preservação


Brotas ainda tem 10% de seu território coberto por matas nativas, segundo dados do Atlas da Mata Atlântica


"Há evidências de que a instalação de mecanismos participativos de planejamento e de gestão, a clara definição de direitos de propriedade e o estabelecimento de regras de uso dos recursos naturais ajudam a fortalecer as relações de confiança entre os indivíduos e as organizações." - Eduardo Ehlers, diretor de graduação do Senac-SP

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