quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Opiniões divididas em Veadeiros

Opiniões divididas em VeadeirosPDFImprimirE-mail
Aldem Bourscheit
11/11/2009, 13:09
Reunião pública em Alto Paraíso. Foto: Aldem Bourscheit

Depois de apresentar em São João da Aliança seu estudo para a instalação de 22 pequenas centrais hidrelétricas (PCHs) no rio Tocantinzinho e afluentes e receber apoio da população e prefeitura daquele município goiano, a Rio das Almas Companhia Energética (Rialma) topou com resistência organizada às barragens por ambientalistas em Alto Paraíso. O encontro aconteceu na última quinta (5) e foi promovido pela Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos de Goiás, com um empurrãozinho da promotoria local de Justiça.

Segundo a Rialma, que pertence à família do deputado federal Ronaldo Caiado (DEM/GO), as hidrelétricas irão melhorar o fornecimento regional de eletricidade e a energia excedente será vendida. Se for todo construído, o conjunto de pchs vai gerar 200 Megawatts. “Parte será distribuída nas cidades da região e outra parte conectada ao sistema nacional”, disse Breno Boss Caiado.

O investimento médio para cada usina será de R$ 100 milhões, com dinheiro próprio e de fontes como BNDES e Fundo do Centro-Oeste. Cada obra deverá gerar 500 empregos diretos, por dois a três anos. Durante a operação, dependendo do tamanho da planta, haverá cerca de trinta vagas para manutenção, operação de turbinas e limpeza, diz o empresário.

Breno Boss Caiado (Rialma) e Felipe Lavorato (Ambientare) na reunião pública.
Foto: Aldem Bourscheit

Em cada uma das três usinas da Rialma em Mambaí, trabalham em média 6 pessoas, conforme fontes na região. Uma das pchs no município foi vendida à Braskem, empresa canadense das áreas de mineração, energia e químicos.

Segundo Caiado, serão oferecidos cursos profissionalizantes para os locais, estruturas e alojamentos da obra serão usados depois como escolas agrícolas e os reservatórios poderão ser usados para piscicultura. “Também planejamos reflorestar as margens das barragens com árvores frutíferas nativas, com possibilidade de aproveitamento econômico. Temos que transformar as oportunidades em benefícios locais”, disse.

A empresa já está comprando terras em locais que poderão ser alagados pelas barragens. “Isso não quer dizer que as obras estão decididas, é comum a compra de terras para assegurar a posse desses locais”, disse Felipe Lavorato, responsável pelo estudo na bacia do Tocantinzinho encomendado pela Rialma.

Usinas contra miséria

Manifestante de São João da Aliança favorável às PCHs .
foto: Aldem Bourscheit

Ainda taxado de “corredor da miséria”, o nordeste goiano sofre com precariedades típicas dos interiores do país e sonha com promessas nunca cumpridas de investimentos em turismo e outras formas de desenvolvimento sustentável. Enquanto não chegam, a população vê nas pequenas usinas uma nova chance de conseguir empregos e melhoria de vida, com moradia, saúde e educação.

Morador de São João da Aliança, João Bosco acredita que as usinas terão menos impactos que benefícios, como a geração de empregos e aumento das receitas municipais. “Algumas coisas destroem o Cerrado e não geram nada de empregos. As usinas são melhores que desmatar para fazer carvão, por exemplo”, disse.
Projetos eólicos
A Sowitec tem 60 projetos com energia eólica no Brasil e já estuda o potencial para essa fonte renovável e limpa na região de São João da Aliança e Alto Paraíso. A área foi “descoberta” através do atlas eólico oficial lançado em 2001 e por relatos obtidos em campo. A empresa alemãcom sede em Salvador (BA) está contatando fazendeiros, arrendando terras e instalando medidores de vento. Cada aparelho funcionará por um ano. Dois projetos para Veadeiros prevêem 275 Megawatts de energia. Os projetos eólicos e das pchs têm processos licitatórios diferentes, não são competitivos. “A região tem potencial muito grande. A geração eólica tem baixos impactos em solo e turbinas modernas reduziram os choques com as aves”, disse o biólogo Fabiano Staut, da Sowitec.

Secretário de Desenvolvimento de Alto Paraíso, Jerson Nagel lembra que a barragem de Serra da Mesa muito prometeu e pouco melhorou o abastecimento energético regional. Para ele, a bacia do Tocantinzinho seria melhor aproveitada com cultivo de frutas e agricultura de pequeno porte. “São empreendimentos permanentes, com menor impacto”, avaliou o agricultor orgânico. “Mas a prefeitura quer compatibilizar todas as atividades para elevar a arrecadação do município”, comentou.

O prefeito Divaldo Rinco lembrou que Goiás ainda não aprovou o ICMS Ecológico, que repassa dinheiro aos municípios frente ao tamanho de sua área protegida, e apontou que assentamentos trazem sérios impactos ao meio ambiente. “Só em São João da Aliança há oito assentamentos do Incra, onde estão desmatando 20 mil hectares de Cerrado. Qual a melhor relação custo benefício, isso ou as pchs? Vamos preservar sem receber nada em troca?”, questionou.

Receita bilionária

Cálculos da Associação Comercial e Industrial de Alto Paraíso mostram que a empresa lucrará R$ 1,5 bilhão com venda de energia durante os trinta anos de concessão apenas com as três pchs projetadas para o município, que embolsaria R$ 240 mil mensais no período. “É pouco frente ao que eles levam, enquanto a cidade fica com impactos socioambientais. Mas se arcarem com reformas de escolas, hospitais, postos de saúde e do lixão municipal, apoiamos as obras”, disse o presidente da entidade, Gustavo Previdente.

Além de vários incentivos federais à construção de pequenas usinas, apontadas pelos órgãos oficiais e empresariado como pouco impactantes e geradoras de “energia limpa”, as pchs contam com apoio financeiro da chamada Conta Consumo Combustível (CCC). É um incentivo ao uso dessas barragens em detrimento da geração com termelétricas e vale para sistemas isolados de geração até 2022.

Cerrado ameaçado

Rafting cruzando as águas do belíssimo rio Tocantinzinho.
Foto: Maurício Martins/Itakama
Para Cesar Victor do Espírito Santo, superintendente-executivo da Funatura, ONG que atua há duas décadas em Veadeiros, nenhuma pch pode ser plantada na região. O principal motivo é o impacto sobre o pato-mergulhão, espécie ameaçada em nível mundial que só vive em santuários ecológicos de águas cristalinas. “Não há meio termo para a preservação da espécie”, disse o engenheiro florestal.

“O que importa é seu papel como indicador ambiental, ou seja, ele só vive em áreas onde a qualidade das águas, do meio ambiente, é muito boa. Programas para monitoramento e proteção da espécie devem ser definidos antes das obras. Depois de iniciadas as obras, vira fato consumado”, completou Espírito Santo.

Ambientalistas afirmam que outras espécies e porções do Cerrado são ameaçadas pelas obras, projetadas para áreas bem preservadas ao sul do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, que receberá recursos se as barragens forem construídas. O novo plano de manejo da unidade engloba locais que serão afetados pelas pchs. Apesar de possíveis impactos negativos ao turismo regional, nenhuma agência local ou associação de guias participou da reunião pública.

“A chapada é um dos principais pólos de conservação do Cerrado no país, com potencial turístico e outras possibilidades de desenvolvimento praticamente inexploradas. Não podemos gerar energia para ser vendida e ficar com os impactos”, comentou o ambientalista Peter Christopher Midkiff. Filho de pastores presbiterianos norte-americanos e nascido em Portugal, Midkiff seguiu nos anos 1980 a rota de centenas de pessoas que migraram para Veadeiros em busca da paz cada vez mais rara nos centros urbanos.

Conforme o biólogo Felipe Lavorato, o conjunto de pchs oferecerá pouco impacto, mesmo a espécies ameaçadas. “As usinas não afetarão o potencial ecológico, já que elas ocuparão um trecho pequeno do rio frente a seus 182 quilômetros. Além disso, o turismo não é suficiente para manter a região”, disse.

O documento apresentado pela Rialma inclui a usina de Mirador, mas conforme Caiado ela não faz parte dos planos da empresa, ao menos por enquanto. “Mirador foi cortada, mas futuramente pode ser feito novo estudo para a barragem, com área atingida 50% menor e geração de energia praticamente igual”, disse.

Perito em meio ambiente do Ministério Público Estadual, Rogério César Silva comentou que o estudo precisa de complementos sérios para que a sociedade possa realmente opinar sobre os projetos energéticos. “Ele é muito genérico. Não detalha os impactos para uma boa tomada de decisão”, disse.

Que tipo de futuro

A bacia do rio Tocantinzinho tem 4.800 quilômetros quadrados e 2,6 mil quilômetros de mananciais. Toda a região tem blocos demarcados para exploração de minerais como manganês. A maioria das águas tem baixos níveis de poluição, provocados na sua maioria pela agropecuária. Outros pontos do nordeste goiano guardam jazidas de ferro. Governantes e parlamentares se movimentam para concretizar parcerias com a China e instalar mineradoras e siderúrgica na região.

Por isso ambientalistas temem que a energia gerada pelas pchs alimente empreendimentos altamente poluidores. “Alto Paraíso e toda a região precisam se desenvolver, mas com que tipo de desenvolvimento?”, questionou o vereador Dada (PV).

Para Peter Midkiff, não falta energia em Goiás, falta distribuição. Cerca de 60% da eletricidade produzida no estado é exportada. Também há movimentos para a instalação de parques eólicos em Veadeiros (veja quadro). “Uma estação para rebaixar a energia da usina de Serra da Mesa resolveria o problema regional. As pchs podem apenas alimentar a demanda mineraria reprimida. Que turista virá para cá com nuvens de poluição lançadas por siderúrgicas?”, questionou.

A secretaria de meio ambiente de Goiás agendará nos próximos dias uma reunião técnica sobre o estudo de bacia, em Goiânia.

domingo, 8 de novembro de 2009

COP 15: Sem rumo, artigo de Míriam Leitão

COP 15

[O GLOBO] A ministra Dilma Rousseff é contra o Brasil levar metas para Copenhague porque o número tem que ser “credível”. Custa a crer que o Brasil queira chegar de costas a Copenhague. O país só tem a ganhar tendo objetivos ousados na reunião do clima, porque cada medida pensada traz ganhos econômicos para nós. Além disso, assumiríamos um papel de liderança que merecemos ter.

A divisão que paralisa o governo é provocada por uma visão distorcida do tema. Na reunião de terça-feira entre Lula, ministros e técnicos dos ministérios, os participantes levaram números pedidos pelo presidente. Lula queria saber quanto custaria cada política imaginada para o esforço de cada área na redução dos gases de efeito estufa.

O Ministério da Ciência e Tecnologia tem a ideia de que para aumentar a sua contribuição precisaria de mais investimentos em satélites. Assim, ajudaria de forma mais eficiente o monitoramento do desmatamento. Gostaria de pôr em prática propostas que nasceram na Academia Brasileira de Ciências, de maior integração entre pesquisa e cadeia produtiva. Desta forma, seriam criados centros produtivos em cidades médias da Amazônia, explorando produtos desenvolvidos por pesquisa em biotecnologia. Seriam clusters (pólos produtivos) que ofereceriam emprego, atividade econômica derivada da floresta, mas sem destruí-la. Isso exigiria investimentos de R$1 bilhão por ano.

A Agricultura poderia contribuir com uma redução substancial nas emissões dos gases de efeito estufa com medidas que só melhorariam nossa produtividade. Os projetos são a integração lavoura-pecuária, que permitiria um uso de área menor de terra para produção; incentivo ao plantio direto, que não revolve a terra, e por isso reduz emissões; recuperação de área degradada; fim da queima da cana-de-açúcar. Os números não estão fechados, mas um dado aproximado era de que isso exigiria R$5 bilhões de investimento anual.

O Ministério do Desenvolvimento teria muito a fazer criando normas de produção mais sustentável como, por exemplo, o aço verde, ou seja, uma produção siderúrgica que só use carvão vegetal de área de plantio. Se não for assim, o aço brasileiro pode ser barrado no mercado internacional. É por isso que o antigo Instituto Brasileiro de Siderurgia mudou o nome para Aço Brasil. Ele quer se diferenciar dos produtores de ferro gusa que ainda usam madeira de desmatamento.

O Ministério da Energia deveria olhar o pesado investimento que a China está fazendo em energia eólica e solar (fotovoltaica) e concluir que o melhor é abandonar projetos de termelétricas a carvão e a óleo combustível. Se a oferta futura de energia for de fontes renováveis, e não fósseis, o Brasil consolida a imagem de país de matriz energética mais limpa do que a de outros países.

Essas são algumas das medidas que se forem assumidas farão com que o Brasil apresente uma proposta mais ousada para Copenhague e se credencie para mecanismos de financiamento da nossa transição. Mas caminha-se para não ter meta alguma e para se limitar a prometer o já prometido: a redução do desmatamento em 80%. Como já expliquei neste espaço, é 80% a partir de 19 mil km de desmatamento por ano. Parte da queda já houve. Tendo como meta 80% até 2020, isso é o mesmo que ter uma cota anual de destruição de quase quatro mil km de florestas por ano. E na Amazônia quase todo desmatamento é ilegal. O compromisso com o desmatamento ilegal zero é lutar para que a lei seja cumprida. Isso não pode ser ruim para o Brasil. Pelo contrário.

O que paralisa o governo é a opinião da ministra Dilma Rousseff, do ministro Celso Amorim, e de outros, de que, como o Brasil não é obrigado a ter metas, por não ser do anexo 1 do Protocolo de Kioto – onde estão os países de industrialização mais antiga -, é melhor não se comprometer com coisa alguma em Copenhague. É um erro. Primeiro, porque combater o desmatamento ilegal, investir em biotecnologia, ter novas fontes de energia, aumentar a produtividade da agricultura, ter uma logística mais eficiente, não queimar floresta em alto-forno de siderúrgica, aumentar a eficiência energética, acabar com queimadas da cana são medidas de bom governo e não concessões ao mundo. São avanços para nós e, como consequência, aumentam nossa contribuição para a tarefa global de lutar contra o aquecimento. Favorece o Brasil primeiro, depois o mundo.

Segundo, porque o Brasil está no time que decide. Na Rio-92 éramos um país com inflação descontrolada, dívida externa alta, presidente sob risco de impeachment, e mesmo assim conseguimos ter uma posição de liderança na convenção do clima. Hoje, o Brasil é um dos grandes, tem economia sólida, respeito internacional. Não deve se apequenar aproveitando as brechas para nada fazer em Copenhague. Brechas dadas por um protocolo que pode morrer em 2012. O Brasil pode liderar a construção do futuro.

Não é crível que o Brasil se perca nos atalhos, nas miudezas, nas mesquinharias, em vez de embarcar para Copenhague com a estatura que merece ter, com metas voluntárias, mas ousadas e que possam ser medidas e cobradas de nós. Não porque o mundo nos impõe isso, mas porque isso é o sensato a fazer. Por nós, nossos filhos e netos.

Artigo originalmente publicado no Blog Míriam Leitão, no O Globo.