sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Alimentação: O alimento são continuará sendo são?

22/08/2008 - 05h08

Por Thalif Deen, da IPS

Estocolomo, 21/08/2008 – Vegetais, arroz e outros cereais em pelo menos 53 cidades da América Latina, África e Ásia poderão ser comercializados algum dia com um rótulo alertando: "Isto é um subproduto de esgoto". Tendo por pano de fundo o aumento nos preços dos alimentos e a escassez mundial de água potável, os agricultores de hortas urbanas são forçados a usar água de esgoto não tratado ou de rios contaminados para manterem sua atividade e sobreviverem economicamente. Uma análise de 53 cidades revela que se trata de uma prática com um nas nações mais pobres do mundo, onde o uso de água de esgoto é vital para a renda dos agricultores e para a segurança alimentar, embora ao mesmo tempo apresente riscos críticos para a saúde.

O estudo, realizado pelo Instituto Internacional de Manejo da Água (WMI), diz que em cerca de 80% das cidades analisadas utiliza-se água parcialmente ou não tratada na agricultura. A pesquisa foi divulgada em coincidência com a Semana Mundial da Água, que acontece esta semana em Estocolmo. Em 70% das cidades estudadas, mais da metade das hortas são irrigadas com água de esgoto não tratada ou diluídas em riachos.

Seu uso é um fenômeno generalizado, em uma área de aproximadamente 20 milhões de hectares no mundo em desenvolvimento, diz o estudo.
Normalmente inclui efluentes industriais e resíduos, alem de dejetos de cozinhas e banheiros. Isto acontece principalmente em países asiáticos, como China, Índia e Vietnã, mas também é comum em quase todas as cidades da África subsaariana e várias latino-americanas, como São Paulo, Bogotá, La Paz, Lima e Santiago do Chile.

O estudo indica que as águas residuais são em grande parte usadas para produzir vegetais e cereais, sobretudo arroz, o que representa preocupações sobre os riscos para a saúde das pessoas, principalmente se forem consumidos sem passarem por um cozimento. Mas, ao mesmo tempo, estas águas contribuem de forma importante para a oferta de alimentos e significam um meio de vida para os pobres urbanos, especialmente mulheres e migrantes recentes chegados do interior dos países.

O informe dá como exemplo a cidade de Accra, capital de Gana, que tem população de aproximadamente dois milhões de pessoas. Estima-se que 200 mil delas compram diariamente vegetais produzidos em apenas 100 hectares regados com água de esgoto. Consumidores das 53 cidades analisadas dizem que preferem não comprá-los, mas que não têm como saber a origem dos produtos que estão levando para casa. Os agricultores estão conscientes de que essa fonte de irrigação é perigosa para a saúde dos consumidores e deles mesmos, mas, têm poucas opções, já que a água subterrânea segura é uma alternativa pouco disponível, segundo o documento.

Os aspectos positivos e negativos desta prática só receberam atenção recentemente, disse Colin Chartres, diretor-geral do IWMI, que conta com o apoio do Grupo Consultivo Internacional sobre Pesquisa Agrícola (Cgiar). O estudo, acrescentou, oferece a primeira análise exaustiva, em vários países, sobre as condições existentes e as difíceis opções que surgem para balancear as vantagens e desvantagens.

Ao ser perguntado se os benefícios superam os riscos, Liqa Raschid-Sally, do IWMI-África Ocidental, disse à IPS que não existem estudos exaustivos sobre o assunto. "Mas, é totalmente claro que se pusermos fim a essa prática interromperemos a oferta de certos tipos de vegetais às cidades, que em 75% dos casos se abastecem de hortas urbanas ou suburbanas que utilizam águas residuais", acrescentou. A mais elementar das regras econômicas, a da oferta e procura, ensina que se isso for feito haverá aumento nos preços dos vegetais para os habitantes das cidades. Os riscos sanitários podem ser manejados, acrescentou.

Em Gana, Indonésia, Nepal e Vietnã, por exemplo, os agricultores armazenam água residual em tanques para permitir que o material sólido em suspensão seja eliminado. Inadvertidamente, isto possivelmente reduz a quantidade de bactérias na água. A mensagem para as nações mais pobres é que podem aplicar estes métodos para reduzir os riscos e apenas necessitam ser incorporados nos serviços de extensão agrícola, disse Raschid-Sally. "Não estamos incentivando o uso de água de esgoto, mas buscando melhorar essas práticas", ressaltou.

Pay Drechsel, do IWMI-Gana, afirmou que os benefícios e os riscos ocorrem em dois níveis: o dos agricultores e o da sociedade. Nos países pobres, onde os serviços sanitários não se expandam no ritmo da urbanização, os produtores às vezes não têm outra opção que não seja a de usar água contaminada. Proibi-lo por lei ameaçaria os meios de vida de milhares de famílias, com um impacto na pobreza muito maior do que a exposição a agentes patogênicos, que é manejável. Se há fontes alternativas de água segura disponíveis, combinadas com o transporte refrigerado de vegetais de folha, esta opção é decididamente preferível, dizem os especialistas. "Concordamos com a Organização Mundial da Saúde de que é preciso deter a irrigação com águas residuais", disse Drechsel à IPS.

Para manter o abastecimento de vegetais nas cidades, a OMS recomenda barreiras que dificilmente podem reduzir o nível de patogênicos nas colheitas. "Testamos e verificamos esse enfoque. Sua implementação, porém, requer mudanças de conduta e um mercado social da segurança alimentar, como o que vemos nas campanhas que promovem o ato de lavar as mãos", acrescentou Drechsel. Porém, a situação é diferente nas economias emergentes, onde a indústria química representa uma ameaça adicional, alertou.

Raschid-Sally afirmou que o uso de água de esgoto está relacionado em alguns casos com a crise de escassez mundial de água e, em outros, com a carência de fontes seguras alternativas "A descarga incontrolada de águas residuais está contaminando grandes volumes de água fresca", acrescentou. Segundo Dreschsel, "por um lado, onde as águas residuais são apenas tratadas parcialmente, ou não tratadas, são contaminantes e reduzem nossos recursos de água segura. Por outro lado, onde estamos em condições de utilizá-la estamos recuperando um recurso valioso".
(IPS/Envolverde)



(Envolverde/IPS)

Nenhum comentário: