Osmar Pires Martins Júnior*
O uso sustentável de bacias hidrográficas de mananciais de abastecimento público é um dos maiores desafios dos tempos modernos. O equacionamento do problema envolve fatores complexos que devem ser identificados e colocados numa ordem a mais correta possível para a obtenção de resultados satisfatórios. Uma questão prioritária é a demanda crescente para uma oferta limitada. Um nível razoável de satisfação do consumo doméstico e industrial requer uma demanda diária média de 250 litros por habitante. Porém, a disponibilidade hídrica no nosso meio é constituída de fontes de superfície que, para regimes hidrológicos continentais intertropicais, requer a preservação de uma bacia hidrográfica da ordem de 500km² para o abastecimento de uma metrópole do porte de Goiânia.
O explosivo crescimento populacional dos núcleos urbanos dos países emergentes e uma dinâmica populacional marcada por intensas necessidades sócio-econômicas pressionam a demanda, mas a disponibilidade para seu atendimento dependente de uma oferta limitada e sujeita à variação das precipitações pluviométricas, do uso e manejo do solo e da infra-estrutura de saneamento ambiental da bacia hidrográfica. Afinal, dos 44 milhões de m³/dia de água captados das fontes superficiais, são devolvidos 39 milhões de m³/dia de esgoto, sem tratamento. Isto equivale a cinco vezes o volume de água depositado anualmente na Baía de Guanabara. Em resumo, as fontes de superfície são deplecionadas nas extremidades da captação de água e do lançamento de efluentes poluidores, assim como no manejo inadequado da vertente, impactando negativamente todo o ciclo da água.
As condições intertropicais se caracterizam pela variação da vazão de chuva e de seca, bem como dos fatores dependentes do clima, solo e vegetação, estabelecendo regimes hidrológicos bastante críticos para o abastecimento das metrópoles brasileiras. Esta avaliação pode ser feita pela comparação das vazões dos cursos d'água que abastecem as populações de algumas cidades. As metrópoles localizadas em regiões de clima temperado apresentam uma relação entre demanda e disponibilidade hídrica bastante favorável. A região de Paris com 10 milhões de habitantes é abastecida pelo rio Sena, que possui vazão média de 300 m³/s no trecho parisiense. Roma possui 6,5milhões de habitantes abastecidos pelo rio Tibre, que tem vazão média de 360m³/s no trecho romano.
A vazão disponível nas cidades do nosso País é pequena comparativamente às situações de outras parte do mundo, como vistas. A metrópole goianiense com 1,2 milhão de moradores é abastecida pelo ribeirão João Leite que possui vazão média de 11,2m³/s (a contribuição da Alto Meia Ponte e a possível contribuição do Dourados e do Caldas não altera esse quadro relativo). A grande São Paulo, com quase 20 milhões de habitantes, está localizada na bacia do Alto Tietê, que possui vazão média de 90m³/s. Em termos comparativos, as metrópoles brasileiras são relativamente populosas e demandadoras de água, embora os mananciais que as drenam sejam menos caudalosos. Portanto, a relação entre oferta e demanda é bastante desfavorável. Em conseqüência, é real a perspectiva de agravamento da crise relativa no abastecimento de água. Estima-se que, em Goiânia, mantendo-se as atuais taxas de crescimento populacional, nas duas próximas décadas, caso não se efetivem programas de proteção dos mananciais, a demanda ultrapassará a capacidade-limite de oferta disponível na bacia hidrográfica de abastecimento.
Diante desse cenário, é fundamental implementar políticas de proteção dos mananciais da região metropolitana de Goiânia, a partir do planejamento, zoneamento e gerenciamento do território de toda bacia hidrográfica. As ferramentas para isso são o diagnóstico e o manejo sustentável do solo da bacia João Leite e não apenas do entorno do reservatório. A esse respeito, discorreremos no próximo artigo.
* Osmar Pires Martins Júnior é biólogo, engenheiro
agrônomo, mestre em ecologia, professor de cursos de graduação e
pós-graduação em IES, coordenou e integrou o estudo sobre o
diagnóstico ambiental e possibilidade de uso sustentável da bacia
hidrográfica João Leite, foi presidente da Agência Ambiental de
Goiás (2003-06), perito ambiental do MP-GO (1997-02), secretário
do Meio Ambiente de Goiânia (1993-96).
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