sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Por um novo capitalismo

O Globo - 16/10/2008


Europa propõe reformar sistema de Bretton Woods e aprova pacote anticrise de £ 2,2 tri


Deborah Berlinck*
BRUXELAS e PARIS


França, Alemanha e Reino Unido pediram ontem uma revisão do sistema financeiro internacional, cujas bases foram lançadas na Conferência de Bretton Woods, em julho de 1944, pouco antes do fim da Segunda Guerra Mundial. E propuseram que os líderes do G-8 — os sete países mais ricos do mundo e a Rússia — e as principais economias emergentes se encontrem no próximo mês para debater o tema. Paralelamente, os 27 países da União Européia (UE) aprovaram um pacote de medidas que havia sido discutido no fim de semana, incluindo mudanças nas regras contábeis de bancos, novos mecanismos de supervisão de instituições financeiras, bem como um plano de socorro de C 2,2 trilhões (cerca de US$ 3 trilhões) para capitalizar o setor bancário e garantir depósitos e empréstimos.

— É necessária uma refundação global do capitalismo, baseada em valores que ponham as finanças a serviço dos negócios e dos cidadãos, e não vice-versa — disse o presidente da França, Nicolas Sarkozy, no discurso de abertura de um encontro de dois dias entre líderes dos países da zona do euro, em Bruxelas. — O sistema deve ser completamente reformado.

O chamado das três principais economias européias foi atendido. Ontem mesmo, o G-8 e a Casa Branca emitiram comunicado conjunto afirmando que estavam unidos em seu compromisso para alterar as regras do sistema financeiro internacional com o objetivo de “remediar as deficiências expostas pela crise atual”. Mas não houve decisão sobre datas. O comunicado limitava-se a dizer que o encontro deveria ser “no momento adequado, num futuro próximo”. Sarkozy quer que a cúpula seja em Nova York , “onde tudo aconteceu”.

O primeiro-ministro do Reino Unido, Gordon Brown, fez coro às palavras do presidente francês e disse que a reforma do Fundo Monetário Internacional (FMI) seria o pontochave dessa revisão global.

— Acredito que um fórum para decidir grandes mudanças na economia internacional poderá acontecer em alguns meses — afirmou Brown, defendendo a participação de Brasil, China, Índia e África do Sul no encontro.

Proposta será feita a Bush no sábado

A ação foi apoiada pelo ministro da Economia da Itália, Giulio Tremonti.

— Hoje, o dólar é a moeda de Bretton Woods, mas agora pode ser que haja novas combinações. O debate sobre as trocas externas está sendo reaberto — disse o italiano.

Com a proposta de revisão de Bretton Woods, a Europa quer capitalizar em cima do sucesso do seu plano de salvação de bancos. Como disse o presidente francês, é a primeira vez na história das finanças que planos elaborados pelos europeus inspiram medidas tomadas pelos EUA.

— Nós devemos mostrar liderança na reflexão do futuro. Esta crise não tem origem européia, mas foram os europeus que formularam propostas de reforma do sistema financeiro internacional — disse o presidente francês.

Sarkozy anunciou que ele e o presidente da Comissão Européia, José Manuel Durão Barroso, levarão pessoalmente essa mensagem ao presidente George W. Bush, em encontro no próximo sábado, em Camp David, nos EUA, para discutir a crise.

Entre as propostas aprovadas ontem está a flexibilização das regras contábeis. Instituições financeiras e não-financeiras não terão mais que contabilizar seus ativos pelo valor imediato de mercado. Medida semelhante havia sido adotada pelos EUA e visa a evitar a depreciação desses ativos. Também ficou acordado que as nações européias poderão injetar recursos em bancos em dificuldades e assegurar empréstimos dessas instituições. Foi ratificada ainda a garantia pelos governos de depósitos bancários no valor de C100 mil. Também devem ser criados limites para remuneração de executivos do setor financeiro.

Quanto à nova estrutura para a supervisão das instituições financeiras transnacionais, não foram divulgados detalhes. De acordo com um documento que teria circulado na reunião de ontem, ao qual a agência de notícias Reuters teve acesso, a proposta britânica de criar um órgão regulador supranacional teve apoio só de metade dos Estados do bloco. Teria sido acordada a composição de 30 comitês que cooperariam entre si nessa tarefa.

Outras medidas foram anunciadas separadamente por países europeus.

A Áustria poderá estatizar bancos à força, conforme proposta de pacote de C 100 bilhões para apoiar o setor financeiro divulgada ontem pelo governo.

O chanceler austríaco, Alfred Gusenbauer, ressaltou, porém, que esse será o último recurso na luta para conter os efeitos da crise. E o governo da Grécia anunciou plano de C 28 bilhões, com três medidas que ficarão em vigor até 2009: o compromisso de garantir até C 15 bilhões em emissões de bônus de bancos locais; a injeção de até C 8 bilhões nos bancos por meio de bônus do governo para ajudar a aumentar a base de capital do setor bancário; e a disposição de comprar até C 5 bilhões em títulos híbridos de bancos. n (*) Correspondente, com agências internacionais

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