O setor habitacional Catetinho, previsto no Pdot, afetará duas nascentes. Fontes serviram de inspiração para Tom Jobim e Vinicius de Moraes criarem Água de Beber.
O som da nascente do Catetinho inspirou dois visitantes ilustres que andaram pelo Planalto Central no fim da década de 1950. Tom Jobim e Vinícius de Moraes visitaram a capital federal ainda em construção. Foram convidados por Juscelino Kubitschek para compor a Sinfonia da Alvorada. Mas ao chegarem ao local, a primeira inspiração foi outra.
O episódio ficou registrado em um bilhete escrito pelas mãos do próprio Tom Jobim para Kléber Farias, pioneiro que viu nascer a primeira canção composta na capital federal.
“Numa noite de lua, eles saíram para a digestão do jantar e ouviram um barulho de água. Perguntaram ao vigia o que era aquele som. O vigia falou: ‘Vamos lá ver, é aqui adiante. Lá é onde pegamos a água de beber. É bonito, vamos lá conhecer a água de beber, camará’”, lembra o pioneiro.
Em uma antiga fazenda do Gama, foi construída a primeira residência oficial. Justamente pela proximidade com as fontes. Até hoje, a água que corre na área é de beber. Na região existem duas nascentes, uma delas abastece parte do Pak Way. Mas tudo isso pode mudar.
Bem perto da primeira residência oficial de Brasília, o Plano Diretor de Ordenamento Territorial (Pdot) prevê a construção de um novo setor habitacional, o Catetinho. Uma área com previsão para receber cerca 40 mil moradores - mais ou menos o mesmo número de pessoas que vivem no Lago Norte.
Parte do novo setor ocuparia áreas que hoje são de parques. Ambientalistas alertam para o impacto que a construção deve causar. “Não tem como construir um setor na cabeceira de drenagem do Ribeirão do Gama sem interferir na qualidade e quantidade de água da área”, ressalta Mônica Veríssimo, especialista em urbanismo e meio ambiente.
“Foi apresentado o estudo de impacto, o órgão ambiental disse que o setor não deveria ser construído. Existem estudos da Universidade de Brasília mostrando também o impacto que causaria. Todos os dados científicos demonstram que essa área seria impactada pelo setor Catetinho”, completa Mônica Veríssimo.
Para o vice-presidente do Instituto Histórico e Geográfico do DF, Jarbas Marques, a construção de um novo setor habitacional ameaça não só o meio ambiente. “É o fim, é a morte ambiental. É o descompromisso com a capital da república. Pergunto se teremos condição de fazer outra capital”, alerta.
A Caesb reconhece que a construção vai gerar impactos nas nascentes. “Deve causar algum impacto. Nós já informamos aos órgãos de planejamento urbano que, na concepção do projeto urbanístico, se adotem soluções tecnológicas e de projeto urbanístico, para minimizar o impacto ambiental e permitir que a Caesb continue operando esses sistemas. Evidentemente, com investimentos ainda em tratamento”, afirma o diretor de Engenharia e Meio Ambiente da Caesb, Cristiano Magalhães.
O novo setor pode prejudicar os planos que JK tinha para Brasília. E mudar o cenário que inspirou a Sinfonia da Alvorada. “Tem uma frase bonita do Juscelino que diz que Brasília foi a única cidade do Brasil que não se desvencilhou da natureza, é um prolongamento do cerrado. Aqui tem mais do que água, aqui tem uma história. Quando a gente vem ao Catetinho, vivenciamos o silêncio, a fauna, que é extremamente rica”, lembra Mônica Veríssimo, especialista em urbanismo e meio ambiente.
Mônica também afirma que é possível conciliar desenvolvimento e preservação: “Não existe um conflito entre isso. O desafio do século 21 é justamente essa conciliação”, acredita.
O projeto que prevê a construção do setor habitacional Catetinho está parado na Justiça desde 2003. Em 2009, o então governador Arruda assinou um termo de ajustamento de conduta para retirar o setor do Pdot. Mas ele foi novamente incluído no Plano Diretor e votado na Câmara Legislativa.
Hoje, a atual Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação afirma que a posição final será adotada somente depois de uma audiência pública. E que estão sendo desenvolvidos estudos técnicos pela Caesb, CEB e Ibram, sobre a viabilidade de implantação de um projeto habitacional no local.
Bom Dia DF 14/04/2011.
Reportagem: Lívia Veiga
Imagens: Lázaro Aluizio
Edição: Marcel Ricard; Mírian Lucena
quinta-feira, 14 de abril de 2011
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