Juliana Santilli e Marta Eliana de Oliveira
Promotoras de Justiça do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, são moradoras da Asa Norte
Uma grave e ilícita ameaça paira sobre o Parque Olhos d’Água: suas nascentes correm o risco de ser diretamente atingidas e completamente aterradas com a construção de um shopping. Quando o Parque Olhos d’Água foi criado, nas Quadras 413 e 414 Norte, as nascentes do principal curso d’água que o atravessa (na entrequadra entre a 212 e a 213 Norte) foram deixadas de fora das poligonais oficiais do parque, um lamentável equívoco. Em 2000, a Terracap vendeu, através de licitação, uma das projeções de tais entrequadras, situada logo acima das referidas nascentes. Os compradores da área — pasmem! — solicitaram recentemente ao órgão ambiental do DF (Ibram) uma licença ambiental para a construção de um shopping no local, o que acarretará o desmatamento e o aterramento das referidas nascentes, em flagrante violação da legislação ambiental e urbanística (federal e distrital).
Apesar de a licença ambiental ter sido requerida pela construtora do shopping em setembro de 2010, só agora os moradores e frequentadores do Parque Olhos d’Água tomaram conhecimento do risco iminente da prática de tão grave e inaceitável crime ambiental. E estão completamente abismados e indignados.
Os estudos técnicos realizados pela Superintendência de Gestão de Áreas Protegidas do órgão ambiental (Ibram) apontam claramente a existência de nascentes na EQN 212/213. Apontam ainda a existência de área de recarga de aquífero, que contribui para a perenidade do riacho Talvegue e a preservação da Lagoa dos Sapos, ambos localizados no Parque Olhos d’Água. Além disso, parte significativa das águas pluviais da Asa Norte é drenada para esse local, e a sua grande declividade favorece a existência de vários afloramentos do lençol freático e de minas de água que jorram acima da Via L1 e em outros pontos do parque. Apesar dos termos claros do parecer técnico do Ibram, contrário a qualquer tipo de edificação no local, o processo de licenciamento ambiental para a construção do shopping tramita perante o órgão ambiental, e alguns técnicos da Terracap têm se posicionado publicamente a favor desse absurdo empreendimento.
A construção de edificações em áreas de preservação permanente (como nascentes) é expressamente vedada pelo Código Florestal (Lei nº 4.771, de 15/9/1965, art. 2º, “a”, “b” e “c), e a Constituição Federal, art. 225, caput, expressamente assegura a todos os cidadãos o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. A Constituição também estabelece (art. 225, par. 1º, III) que incumbe ao Poder Público definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem a sua proteção.
É fundamental, portanto, que o governador do Distrito Federal edite, o mais breve possível, um decreto expressamente incluindo as referidas nascentes e áreas de preservação permanente dentro dos limites oficiais do Parque Olhos d’Água. Dessa forma, estará sanando o lamentável equívoco ocorrido quando da criação do parque. A possibilidade de ampliação dos limites de um parque através de decreto é expressamente prevista pela Lei 9.985/2000, que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (art. 22, par. 6º). Assim, pedimos ao Exmo. Sr. Governador do DF, Agnelo Queiroz, que adote tal providência, assinando o referido decreto. Dessa forma, estará assegurando qualidade de vida não só aos frequentadores do Parque Olhos d’Água, mas a toda a população do DF.
No mês passado, o governador lançou o programa Brasília Cidade Parque, que pretende revitalizar os parques já implantados no Distrito Federal e criar outros. O DF possui hoje 68 parques, e grande parte deles não está implantada. O Parque Olhos d’Água é um precioso espaço de lazer e de contato com a natureza, que não pode ser destruído para beneficiar interesses comerciais privados.
Em dias de semana, cerca de 1,5 mil pessoas circulam pelo Parque Olhos d’Água. Em fins de semana e feriados, ele chega a ser visitado por mais de 2 mil frequentadores. O parque tem sido palco de atividades esportivas, manifestações artísticas e mobilizações sociais. O Olhos d’Água é considerado um modelo de gestão ambiental e possui biblioteca, pista de corrida, parque infantil, circuito de exercícios físicos e trilhas ecológicas. Quem passeia pelas suas trilhas pode se deparar com sabiás, bem-te-vis, gambás, lagartos, ipês e pequizeiros, entre outros. Não podemos aceitar o desmatamento de suas nascentes para a construção de mais um shopping.
publicado no CB - 06/08/11
sábado, 6 de agosto de 2011
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