sexta-feira, 22 de maio de 2009

Povos indígenas por uma outra sustentabilidade

Os povos indígenas sempre foram considerados um estorvo. Assim foi no Brasil Colônia, no Brasil Império, e continua sendo no Brasil República. Passados mais de quinhentos anos da chegada do cetro real espanhol e português nas terras de Pindorama, pouco mudou. A presença dos povos indígenas segue sendo vista como uma ameaça à integridade e o desenvolvimento do país. Ainda mais surpreendente é o fato de que essa visão é compartilhada por setores da esquerda e da direita do país.

Uma manifestação dessa visão são dois Projetos de Lei que ameaçam direitos indígenas. Um deles, de autoria do deputado Roberto Magalhães (DEM), prevê revisão nas demarcações de terras já realizadas pelo Poder Executivo. O outro, o projeto de Aldo Rebelo (PC do B) e Ibsen Pinheiro (PMDB), submete a demarcação ao Congresso Nacional. O argumento que fundamentam os dois projetos é a mesma: Os parlamentares temem que os indígenas possam criar nações independentes ameaçando a segurança e a soberania do Brasil. O mesmo argumento foi utilizado exaustivamente por aqueles que se pronunciavam contra a demarcação da Reserva Raposa Serra do Sol.

O projeto dos parlamentares recebeu a adesão dos líderes de oito partidos (PC do B, PMDB, PT, PDT, PSB, PPS, PSDB e DEM) que solicitaram que os projetos tramitem em regime de urgência. Dessa forma, partidos que se apresentam como de esquerda se somam aos argumentos dos militares e dos ruralistas.

Segundo o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), os projetos de lei representam o fim de demarcação de terra indígena. Para Sando Tuxá, líder dos Tuxá, “esse deputado [Aldo Rebelo], que vem adotando uma postura racista, anti-indígena, segundo seus posicionamentos na mídia, apresentou o Projeto de Lei de forma urgente, no qual a demarcação da terra indígena tem que passar pelo crivo do Congresso Nacional. Mas já existem normas legais, instrumentos que eles próprios criaram. Agora, se submetem isso ao Congresso Nacional, quando o índio vai ter sua terra demarcada?”

Recentemente o deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), defensor da permanência de produtores e “não-índios” na Raposa Serra do Sol e apresentado aos produtores como o “9º deputado de Roraima”, criticou o processo de demarcação das terras indígenas e acusou ONGs ambientalistas como Greenpeace e WWF de “sequestrar a agenda do Ministério do Meio Ambiente” para impedir o desenvolvimento da agricultura, da mineração e da infraestrutura no país. “Há uma guerra de contenção da nossa expansão”, disse.

Para o jurista Dalmo Dallari, o projeto dos parlamentares é inconstitucional. “Existe um erro jurídico fundamental no projeto. A Constituição é muito clara quando diz que as áreas indígenas são propriedade da União e que é da União a responsabilidade da demarcação. A área já é definida como propriedade da União e a demarcação não depende de nenhuma legislação ou regra. É um procedimento puramente administrativo do Poder Executivo. Não há nenhuma necessidade jurídica de que se faça uma lei para isso”, disse Dallari.

O PCdoB, vítima dos militares no triste episódio do Araguaia, faz coro juntamente com os militares na defesa de teses conservadoras que vêem os indígenas como povos a serem combatidos e não fortalecidos. Trata-se de uma esquerda conservadora, presa a sociedade do século passado, e que, tributária dos resquícios autoritários enxerga conspiração onde não existe. “Não há a mínima ameaça à segurança e à soberania do Brasil pela ocupação de terras pelos índios. Isso é invencionice”, afirma Dallari.

Na realidade, por detrás dos argumentos de ameaça à soberania nacional, escondem-se outros interesses de caráter mesquinho. Paradoxalmente, os partidos da esquerda e da direita, com as devidas exceções, consideram os indígenas um obstáculo ao desenvolvimento, ao crescimento econômico e ao progresso. A devida cessão, e posse de territórios aos indígenas, significa que riquezas incomensuráveis não poderão ser exploradas. A possibilidade de expansão da soja, da cana-de-açucar, a exploração da madeira, dos minérios, das águas e da biodiversidade ficaria comprometida ou dificultada.

Melhor, portanto, confinar as comunidades indígenas em pequenos guetos, como acontece com o povo Guarani Kaiowá no Mato Grosso do Sul. Apenas a violência explícita e implícita contra os indígenas explica o registro de 60 assassinatos de índios em 2008, de acordo com o relatório do Cimi.

Surpreendentemente, o presidente da Funasa, Danilo Forte, afirmou que 68 mortes de índios é “número bom”. Segundo ele, “em um universo de 500 mil índios, se tiver morrido só 68 por falta de assistência – não é bom ninguém morrer –, é um número bom. Se você for comparar com as populações… Quantas pessoas morrem por dia em Brasília?”, disse. A coordenadora da pesquisa do Cimi, a antropóloga Lúcia Helena Rangel, rebateu a declaração. “Não tenho autoridade na área de saúde para dizer que 68 mortes é pouco. Mas nós temos casos de desassistência à saúde que atingiram cerca de 4.000 índios”, argumentou. Das 68 mortes de índios apontadas pelo Cimi, 37 são vítimas de mortalidade na infância.

Já está comprovado que apenas a demarcação de terras pode reduzir violência contra população indígena. Na análise da antropóloga Lúcia Helena Rangel, “é fundamental que o Estado brasileiro aceite e respeite a reivindicação indígena por demarcação de terras. Isso é nítido no caso de Mato Grosso do Sul e em estados como Maranhão, Rio Grande do Sul e Bahia. É preciso demarcar terras, e de forma suficiente, para essa gente viver, se reproduzir, fazer crescer a população”.

A violência sistemática e secular contra os indígenas se faz sem tréguas. Segundo D. Erwin Kräutler, Bispo do Xingu e presidente do Cimi, atualmente existem mais de 450 empreendimentos que afetam terras indígenas, muitos deles financiados pelo governo. O bispo destaca que “dentro do Programa de Aceleração do Crescimento – PAC – amplamente difundido pelo Governo e incensado como principal responsável pelo futuro avanço econômico do país, há 48 obras que afetam diretamente terras indígenas com o agravante que tanto nessas como nas outras obras não há a realização da Consulta Prévia em tempo hábil para os interessados, determinada pela Convenção 169 da OIT, que foi incorporada à legislação brasileira no ano de 2005”.

No relato de dom Erwin, a situação mais dramática é dos Guarani Kaiowá: “Vivem confinados em pequenas parcelas de terra e sofrem todas as formas de violência e perseguição. Se não forem tomadas medidas imediatas, mais um genocídio chegará a se consumar em pleno século XXI apesar de todas as Leis em favor dos Povos Indígenas e a Declaração Universal dos Direitos Humanos já completar sessenta anos”, afirma.

D. Erwin Kräutler, um dos três bispos brasileiros atualmente ameaçados de morte, afirma que fez a opção de se colocar do lado “dos povos indígenas, que têm direito à sua terra e isso é, automaticamente, visto como característico de quem é contra o progresso e desenvolvimento”. Segundo ele, o desprezo aos povos originários se deve ao fato de que “na realidade existem dois modelos de desenvolvimento, um a favor das grandes empresas e do agronegócio, exigindo capital e a concentração de terras para o cultivo de monoculturas. Este modelo – diz o bispo – considera a terra como mercadoria, destinada a compra ou venda, e explorável até a exaustão. Em seu conjunto, é orientado para a produção e exportação, concentrador de renda, visando lucros privados e resultados imediatos e muito agressivo ao meio-ambiente”.

O outro modelo, destaca dom Erwin, “vê na terra o lar que Deus criou em que vivem os povos e convivem respeitosamente com a natureza, a flora e a fauna. A terra exerce uma função materna. Este modelo de desenvolvimento é orientado para a Vida, a paz, a preservação ambiental e o bem-estar da população local, dos pequenos agricultores, das comunidades tradicionais, dos povos indígenas. São dois projetos que estão em confronto: um a favor da terra para a Vida, o outro a favor da terra para o negócio”.

Um exemplo simbólico da tentativa de exterminar o ‘modelo indígena’ foi a agressão a memória de Sepé Tiaraju no Rio Grande do Sul. “No dia 7 de maio, o prefeito de São Gabriel, RS, Rossano Gonçalves, meteu abaixo oratório-monumento São Sepé Tiaraju da Sanga da Bica, lugar exato em que o herói-santo-popular deu o beijo derradeiro à Terra Sem Males de seu povo, em meio às torturas que lhe infligiram os esbirros portugueses e espanhóis”, relata Roberto Antonio Liebgott, do Cimi Su l – Equipe Porto Alegre.

Segundo ele, “o monumento inquietava os donos do latifúndio, os fazendeiros arrogantes que habitam e exploram as terras sagradas do Rio Grande. Eles tinham medo do símbolo de resistência e vida que ali fora plantado e como que encravado na memória daqueles que se colocam contra a vida e contra a solidariedade, que se colocam contra a possibilidade de que haja direitos iguais para todos, que se colocam contra a redistribuição de bens e das terras. Estes senhores, patrocinadores da dor e da miséria, não sossegaram e passados pouco mais de três anos das celebrações em memória de Sepé Tiaraju decidiram, com a infra-estrutura da prefeitura municipal de São Gabriel, destruir o que lhes causava dor e medo. Destruíram o monumento de Sepé Tiaraju, líder índio Guarani e herói do Rio Grande”.

Nas palavras do irmão Antônio Cechin, “não bastou matar São Sepé Tiaraju. Era preciso matar também a sua história”.

A conquista na demarcação das terras indígenas da Reserva Raposa Serra do Sol, saudada como uma das raras vitórias dos povos indígenas nas últimas décadas, esconde armadilhas. Segundo o Cimi, “o STF extrapolou o que foi pedido pelos autores da ação popular julgada, na medida em que estabeleceu uma normatização para todos os procedimentos de demarcação de terras indígenas no país. Tal condição deve ser entendida num contexto de cerceamento de direitos dos povos indígenas, das populações tradicionais, do campesinato e outras, em favor da expansão do interesse do capital privado no campo”.

Na análise de José de Souza Martins, “a decisão [do STF], sobretudo as 18 condições que o ministro Menezes Direito estabeleceu para o reconhecimento do princípio da reserva territorial contínua, longe de dar à decisão do Supremo o caráter de uma vitória dos índios, representa de fato uma derrota das populações indígenas”. Segundo o sociólogo, “eles ganham o território, mas ficam expostas aos riscos culturais do contato compulsório dos executores das políticas decorrentes das razões de Estado”.

‘Só os índios se preocupam com o seu futuro’

“Só os índios, hoje, se preocupam com o seu futuro. Eles perguntam: o que será dos nossos filhos? O branco parece que está olhando só o presente e faz de conta que depois de nossa geração virá o dilúvio. Isso é um absurdo”, afirma d. Erwin Krautler, acerca da visão pragmática e da volúpia exploratória da lógica do capital sobre as terras indígenas.

O capital em sua versão predatória de madeireiras, mineradoras, sojeiros, arrozeiros, plantadores de cana-de-açucar, criadores de gado, acompanhada pela visão desenvolvimentista míope do governo, não se dá conta de que a preservação das terras indígenas é um passaporte para o futuro da nação noutro tipo de integração e vantagem econômica internacional.

Segundo um estudo do Instituto de Pesquisa da Amazônia (Ipam) com a Universidade de Minas Gerais e o Woods Hole Research Center, as terras indígenas e reservas possuem 30% do carbono estocado na Amazônia. O estudo revela que na Amazônia brasileira, nas árvores que estão nos 100 milhões de hectares de terras indígenas e reservas extrativistas, há 15 bilhões de toneladas de carbono estocadas.

Este volume impressionante, que causaria um caos climático se liberado na atmosfera, é 30% das 47 bilhões de toneladas de carbono que estão espalhadas nos troncos, galhos e no solo das florestas da região. Mais do que isso: representa oito vezes o esforço mundial de reduzir a emissão de gases-estufa prevista no primeiro período do Protocolo de Kyoto.

A possibilidade de que a civilização ocidental branca, orientada pela racionalidade econômica, enxergue nos povos indígenas a “janela” para o futuro é remotíssima. Aqui, o conceito de ‘sustentabilidade’ é diametralmente oposto. A cosmovisão de mundo é distinta.

Para o indigenista Antonio Brand em entrevista especial à revista IHU On-Line, “as populações indígenas concebem conceitos distintos de natureza, sendo que suas cosmologias explicitam como homens, plantas e animais interagem e se articulam sinalizando para a interdependência entre organização econômica, social e religiosa. Para essas populações, a esfera da economia e das relações sociais e religiosas são inseparáveis. Por isso, a questão de fundo dos territórios e a luta pela preservação da biodiversidade é tão importante para o futuro desses povos, frente ao longo e sistemático processo histórico de busca de imposição de modelos monoculturais de desenvolvimento. Por isso, cada vez mais a luta pela sociodiversidade tende a se encontrar e articular com as lutas pela biodiversidade. Até hoje, os povos indígenas seguem orientando-se por concepções distintas de economia, de uso do solo e de desenvolvimento. Seguem, por isso mesmo, sendo considerados como um sinal de atraso”.

O conselheiro do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), no Mato Grosso do Sul, Egon Heck, destaca que a primeira grande lição que aprendemos com os índios é realmente a do sentido da vida. “A nossa sociedade é consumista, se amesquinhou, acreditando que a felicidade está em comprar quinquilharias, em amontoar coisas dentro de casa, em ostentar jóias e outras coisas mais, desvirtuando totalmente aquele sentido profundo da solidariedade, da convivência, da harmonia, da dignidade das pessoas. Essa é a primeira grande lição que eles nos deixam, no sentido de rever o sentido da própria vida. A segunda é rever o sentido da convivência entre as pessoas e das pessoas com a natureza. O planeta Terra só vai ter futuro se conseguirmos, em termos de humanidade, reencontrar um sentido de harmonização da nossa vida, do nosso sistema de produção, dos nossos valores com aquilo que a natureza, a terra, a água e o universo nos oferecem”, diz ele.

Define bem essa concepção de mundo, o conceito de Terra sem Males, descrito por José Roberto de Oliveira em entrevista ao sítio do IHU, acerca do povos guaranis. Segundo ele, “os guaranis sempre foram um povo espiritual e sempre falaram da busca pela Terra sem Males, o que sempre esteve no centro da sua cultura. Esta nação e este território (físico e espiritual) da Terra sem Males têm duas visões: a de uma terra em que todos vivessem bem, de forma fraternal, mas também a de uma terra espiritual, em que cada um tivesse um coração sem males. Esta tese é uma coisa absolutamente maravilhosa e compõe, ainda hoje, o centro da espiritualidade dos povos Guarani e missioneiro. Nenhum deles quer ser rico”, afirma ele.

O que está em jogo são conceitos distintos do que venha a ser a ‘sustentabilidade’. A racionalidade econômica, como já analisado, acredita possível um crescimento sustentável, já os povos indígenas nos ensinam que o conceito de sustentabilidade está vinculado a outra lógica, ao não crescimento, ao respeito e preservação da biodiversidade.

Sydney Possuelo, renomado indigenista e sertanista brasileiro em entrevista a revista IHU On-Line, afirma que “faz alguns anos que o Canadá devolveu ao povo indígena Inuit a extensão de dois milhões de Km2 no Território do Noroeste do Canadá. O que me chamou a atenção, afirma, foi um pedido de desculpa que acompanhou a devolução. O governo canadense pediu desculpas pela violência e pelas injustiças que haviam sido cometidas contra aqueles povos durante a conquista. Mais recentemente, o governo da Austrália procedeu da mesma forma e, através de seu Primeiro Ministro, apresentou um formal pedido de perdão aos aborígenes australianos. Observe como são tratados os povos autóctones da Nova Zelândia, pelos quais o povo e governo têm admiração e respeito. Enquanto isso, aqui, do outro lado do mundo, estamos cada vez mais na contramão da história, negando aos povos indígenas as suas terras tradicionais e, ainda, lamentavelmente, matando-os a tiros como aconteceu recentemente na região de Roraima”.

‘Presenciamos agora a ressurreição do índio’

Faz-se necessário, entretanto, destacar a resistência e a luta indígena. Sendo fiel a sua história de não aceitação da subordinação, os povos indígenas nunca deixaram de lutar em todo o continente latino-americano. “Presenciamos agora a ressurreição do índio”, afirma o indígena Eleazar López Hernández
em entrevista especial ao IHU. Segundo ele, “a Bolívia é, desde logo, a melhor expressão da pujança deste despertar, pois aí os povos indígenas e camponeses sacudiram o jugo de uma minoria não indígena que os dominava e se deram um presidente de seu próprio sangue e cultura. Porém, a luta indígena se dá em todo o continente sob formas muito variadas e com resultados diferentes: Equador, Brasil, Paraguai, Chile Guatemala, México etc”.

Segundo ele, “hoje, mais do que nunca, existem redes e articulações de movimentos indígenas que compartilham saberes e experiências de nossa luta pelos quatro cantos do continente; e estão se dando a mão para seguir em frente. O protagonismo indígena cresceu tanto que no momento atual os acompanhantes não indígenas seguem sendo importantes, embora não sejam indispensáveis para o futuro do processo”, afirma.

A esquerda conservadora

Os povos indígenas se constituem hoje em um importante sujeito coletivo em toda a América Latina. A esquerda tradicional, porém, é incapaz de perceber esse fato. Segundo o Subcomandante Marcos, do EZLN, na América Latina sempre se falou em aliança operária e camponesa, mas esqueceram dos indígenas. Para o Subcomandante Marcos, as lições dos movimentos indígenas no México, no Equador, na Bolívia e em outras partes, é que é possível colocar o poder em crise com uma mobilização pacífica, civil, massiva e que resulta a partir de “baixo”. Segundo ele, os indígenas mostram que o importante é construir poder desde abaixo e sendo assim não importa o que acontece em cima [a direção] desde que esteja sujeitada, controlada pelos que estão a partir de baixo.

Como a esquerda sempre pensou o poder desde acima, a partir do Estado, os povos indígenas não entram nessa equação. Porém, mais do que isso, os povos indígenas não entram na agenda da esquerda em função de que a mesma é tributária de determinada concepção de mundo preso à lógica da sociedade industrial.

Essa esquerda vale-se de um marxismo não atualizado, que paradoxalmente ao lado do liberalismo, é resultante da modernidade.

Conjuntura da Semana. Uma leitura das ‘Notícias do Dia’ do IHU de 06 a 19 de maio de 2009

Publicado pelo IHU On-line 

http://www.unisinos.br/_ihu/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=22408 20/05/2009 [IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos - IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]

terça-feira, 19 de maio de 2009

A problemática da água se deve simultaneamente à escassez e à má gestão do recurso natural

Água em crise – Diversos pesquisadores e especialistas têm atribuído a problemática da água a dois fatores fundamentais: escassez e gestão. A “crise da água” vivida atualmente pela humanidade se deveria a uma ou outra variável.

Para Adolpho José Melfi, professor titular da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da Universidade de São Paulo (USP), no entanto, não se trata de um problema causado apenas pela gestão ou pela escassez do recurso natural, mas sim pelos dois fatores intimamente interligados.

“É inegável que hoje temos um problema causado pela escassez, devido principalmente à distribuição desigual de água no planeta e agravado pela má gestão, que sempre foi pontual e setorial, deixando de ser integrada para resolver a questão das bacias hidrográficas brasileiras de modo mais sistêmico”, disse Melfi à Agência FAPESP.

O reitor da USP de 2001 a 2005 e que também já integrou o Conselho Superior da FAPESP, esteve na semana passada na Fundação, como um dos palestrantes do workshop que sucedeu a cerimônia de assinatura do termo de cooperação entre a FAPESP e a Sabesp para apoio à pesquisas em recursos hídricos e saneamento. Melfi falou sobre “Água: Pesquisa para a sustentabilidade”.

“As consequências dessa crise são claras para países como o Brasil. Ainda que tenhamos 14% de todos os recursos hídricos do mundo, grandes cidades, como São Paulo, estão no limite da escassez”, disse.

Ao enfatizar as consequências de problemas de gestão e de escassez, que para ele representam um dos maiores desafios para as próximas décadas, Melfi ressaltou que a soma de todas as atividades humanas, sejam agrícolas, industriais, de serviços, lazer e outras, resulta em um consumo aproximado de 20 milhões de litros por ano por habitante do planeta.

Esse consumo elevado faz com que pelo memos 26 países se encontrem atualmente no que o pesquisador define como “situação de penúria”, sendo que mais 50 devem atingir esse patamar até a metade deste século.

Melfi é membro da Academia Brasileira de Ciências, da Academia de Ciências da América Latina, da Academia de Ciências do Estado de São Paulo, da Académie d’Agriculture de France e da Académie des Sciences d’Outre Mer, também na França.

É detentor de vários prêmios acadêmicos, como a Medalha de Prata de Geologia, a Gran Cruz do Mérito Científico, a Palma Acadêmica do governo francês e o prêmio de Geocientista do Ano de 2004 da Academia de Ciências para o Mundo em Desenvolvimento. Desde 2007 é diretor do Centro Brasileiro de Estudos da América Latina da Fundação Memorial da América Latina.

Segundo Melfi, com relação ao uso da água nas sociedades modernas, em média 69% são para atividades agrícolas, 23% para a indústria e 8% para atividades urbanas. “Mas temos observado que mesmo países com grande quantidade de água podem ter regiões com pouca disponibilidade do recurso. Entre os fatores que mais explicam a distribuição heterogênea da água estão a ocupação do solo e as variações do clima”, apontou.

No Brasil, segundo ele, o uso mais intenso está na irrigação de culturas, com 69%, seguido pela utilização para a criação animal (11%), uso urbano (11%), industrial (7%) e rural (2%).

Melfi usou também dados do Relatório sobre Desenvolvimento Humano do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) de 2006, que aponta que 1,2 bilhão de pessoas estariam atingidas diretamente pela escassez de água.

De acordo com o relatório, 2,7 bilhões devem ser atingidas até 2025, 2,6 bilhões não contam com saneamento básico e 1,8 milhão de crianças morrem anualmente por infecções transmitidas por água insalubre.

De acordo com Melfi, esse panorama tende a se agravar, uma vez que a demanda por água continua a crescer devido ao aumento populacional de cerca de 90 milhões de habitantes por ano no mundo, alidado a fatores como a necessidade de produzir maior quantidade de alimentos e a rápida industrialização dos países em desenvolvimento, nos quais a indústria aumentou o consumo de água em cerca de 30 vezes apenas no século 20.

Pesquisa básica e aplicada

Para o enfrentamento da crise, Melfi sugere que uma das principais saídas estaria na realização de mais pesquisas científicas, tanto básicas como aplicadas, que levem, sobretudo, à redução do consumo e ao reúso de água.

“A pesquisa sobre o assunto é fundamental e deve ser multidisciplinar, envolvendo todos os elementos possíveis que constituem a paisagem natural e os sistemas hídricos. Os estudos precisam ainda ser sistemáticos no sentido do constante monitoramento dos resultados. Nesse sentido o acordo FAPESP-Sabesp é fantástico por garantir a continuidade dos projetos, que deverão ter longa duração”, disse.

O termo de cooperação entre as instituições prevê um investimento de até R$ 50 milhões, sendo metade de cada uma, ao longo de cinco anos, voltados para o financiamento de projetos propostos por pesquisadores de universidades e institutos de pesquisa paulistas e da empresa de saneamento.

Serão apoiadas pesquisas em sete principais eixo temáticos: “Tecnologia de membranas filtrantes nas estações de tratamento de água e de esgoto”; “Alternativas de tratamento, disposição e utilização de lodo de estações de tratamento de água e estações de tratamento de esgotos”; “Novas tecnologias para implantação, operação e manutenção de sistemas de distribuição de água e coleta de esgoto”; “Novas tecnologias para melhorias dos processos de operações unitárias”; “Monitoramento da qualidade da água”; “Eficiência energética”; e “Economia do saneamento”.

Mais informações: www.fapesp.br/materia/5172

Matéria de Thiago Romero, da Agência FAPESP, publicada noEcoDebate, 19/05/2009.

quarta-feira, 6 de maio de 2009

Legislação ambiental brasileira é compatível com a agricultura familiar camponesa

Ao longo de várias décadas construiu-se na sociedade brasileira o falso antagonismo entre produção de alimentos e preservação ambiental. Falso, porque a produção de alimentos no Brasil está fortemente alicerçada sobre os agricultores camponeses e familiares, quilombolas, comunidades tradicionais, extrativistas e assentados da reforma agrária. E justamente sob o manejo destes povos do campo e da floresta que estão as principais áreas conservadas da biodiversidade florestal brasileira.
Esse antagonismo interessa apenas ao agronegócio. São os projetos dos latifundiários e grileiros que se confrontam ao meio ambiente nacional, sendo baseados no uso extensivo das áreas, com alto consumo de fertilizantes químico-indústrias e agrotóxicos e, fundamentalmente, na expansão ilegal da propriedade. É a produção para exportação de commodities rurais que necessita da devastação dos biomas, do desmonte das leis ambientais e da institucionalização do grilo, por meio de medidas provisórias – e não a produção que abastece a mesa do brasileiro.
É a partir deste esclarecimento que a Aliança Camponesa e Ambientalista em Defesa da Reforma Agrária e do Meio Ambiente vem afirmar que a posição dos verdadeiros produtores de alimentos deste país é a de manutenção do código florestal atual. Entendemos que a atual legislação, da qual os camponeses só conhecem as multas e repressões equivocadamente realizadas pelos órgãos ambientais estaduais, é moderna e permite uma série de adaptações necessárias para a reprodução social da família camponesa. É importante ressaltar alguns pontos:
· É permitida a utilização da APP para fins não-madereiros, tais como plantios de frutíferas nativas e extrativismo;· É função da Reserva Legal promover a utilização racional do recurso florestal. Portanto, para o camponês a reserva legal, se manejada com assistência técnica e recursos financeiros apropriados, pode ser o salto qualitativo para a transição agroecológica;· Os pequenos produtores podem ter em sua área de Reserva Legal computada a APP;· É tarefa do Estado prover à pequena propriedade assistência técnica para os processos de recuperação ambiental e de manejo florestal.
No entanto, para alcançarmos uma realidade de desenvolvimento rural sustentável no Brasil, se faz necessário optar-se pelo modelo de agricultura nacional baseado na agricultura camponesa familiar. E, para viabilizar a sustentabilidade da agricultura familiar e camponesa deve-se implementar uma série de medidas que vão de encontro ao fortalecimento do Código Florestal e sua definitiva aplicação:
· Construção de uma resolução que oriente o manejo florestal e agrosilvopastoril em reserva legal;· Construção conjunta com os movimentos sociais do Macrozoneamento Ecológico e Econômico e dos ZEEs estaduais;· Criação do Programa Nacional de Adaptação das Unidades Produtivas Camponesas a Legislação Ambiental:. Assistência técnica para os camponeses e povos da floresta de forma continuada e eficiente, com qualificação apurada sobre manejo agroflorestal e florestal;. Fomento para a recuperação do passivo ambiental das unidades produtivas, visando à recomposição por meio de sistemas produtivos sucessionais;. Política robusta de comercialização da produção diversificada:. Fortalecimento do PAA com incorporação efetiva dos produtos da sociobiodiversidade;. Estabelecimento de preço mínimo para os produtos oriundos do agroextrativismo;. Estruturação logística de canais de comercialização populares;. Instituição de uma política de Pagamento de Serviços aos camponeses que preservam as áreas florestadas, de forma que a agricultura convencional não exerça pressão sobre a área preservada.
Portanto, a compreensão construída coletivamente pelos diversos movimentos sociais e entidades ambientalistas é de que a alteração do Código Florestal que está neste Congresso beneficia apenas aos interesses dos grandes produtores e que, além disto, o Código Florestal é uma arma para o agricultor e sua terra e não ao contrário.
E, para além disto, refutamos toda e qualquer iniciativa que confronte um estado contra a nação brasileira, tal qual o Código Ambiental recém aprovado em Santa Catarina. Porque os ruralistas não defendem então o Zoneamento Ecológico Econômico, o qual ordena as especificidades de cada estado e região, adequando o Código Florestal as milhares de realidades brasileiras.A solução para o equilíbrio entre campo e meio ambiente está na opção clara e definitiva por um modelo popular de desenvolvimento do campo, construído conjuntamente entre os movimentos do campo e ambientalistas. Está nas transformações infra-legais e no reconhecimento do Estado de sua dívida histórica com os agricultores: que ao invés de polícias e multas, sejam enviados às unidades camponesas técnicos e propostas de construção de uma agricultura sustentável e popular.
* Nota da Aliança Camponesa e Ambientalista em Defesa da Reforma Agrária e do Meio Ambiente
** Publicada pelo GTA - Grupo de Trabalho Amazônico
[EcoDebate, 06/05/2009]

segunda-feira, 4 de maio de 2009

Uma boa notícia para o Cerrado

Uma boa notícia para o Cerrado


Na semana passada o Mosaico de Áreas Protegidas Sertão Veredas-Peruaçu (área de 1.783.799 ha) foi oficialmente reconhecido pelo MMA (Portaria 128/09 - em anexo). O Mosaico foi proposto pela Fundação Pró-Natureza - FUNATURA e diversos parceiros, com apoio do FNMA/MMA. O Projeto teve início em 2006 com a proposta de delimitar a área do Mosaico e elaborar um Plano de Desenvolvimento Territorial de Base Conservacionista (DTBC). 


O Mosaico está localizado na região norte/noroeste de Minas Gerais (municípios: Arinos, Chapada Gaúcha, Formoso, Itacarambi, Cônego marinho, Manga e Januária,em Minas Gerais e Cocos, na Bahia)no Bioma Cerrado e na Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco. Engloba 14 Áreas Protegidas, Unidades de Conservação e  1 Reserva Indígena: Parques Nacionais Grande Sertão Veredas e Cavernas do Peruaçu, Parques Estaduais Veredas do Peruaçu. Serra das Araras e Mata Seca, Áreas de Proteção Ambiental Federal do Peruaçu e Estaduais de Pandeiros e Cochá e Gibão, Reserva Estadual de Desenvolvimento Sustentável do Acari, Refúgio de Vida Silvestre de Pandeiros, Reservas Particulares do Patrimônio Natural Arara Vermelha, Veredas do Pacari e Fazenda Ressaca e a Reserva Indígena Xakriabá. 


O Plano de DTBC foi elaborado por meio de planejamento participativo durante 1 ano, envolvendo prefeituras, gestores das UCs, setor produtivo e sociedade. Tem como objetivo promover o desenvolvimento da região em bases sustentáveis e integrado ao manejo das unidades de conservação e demais áreas protegidas do Mosaico Sertão Veredas–Peruaçu. Os principais focos do plano são a gestão integrada das áreas protegidas, a implementação de práticas voltadas para o extrativismo vegetal racional, geradora de renda para os produtores e compatíveis com a proteção das UC, e o desenvolvimento do turismo ecocultural sustentável na região, de forma a valorizar as tradições culturais e as riquezas naturais. Conforme o SNUC, também foi proposta a composição do Conselho Consultivo do Mosaico que tomará posse na reunião que ocorrerá no próximo mês em Januária, MG. 


Além das belezas naturais, rios, cachoeiras, cavernas e paisagens, a região do Mosaico representa um valioso patrimônio imaterial, grupos indígenas, quilombolas e outros povos tradicionais que vivem de forma harmônica com o ambiente e guardam manifestações culturais e conhecimentos tradicionais identificados com o Bioma. Manifestações que foram descritas pelo célebre escritor mineiro João Guimarães Rosa em sua mais famosa obra: Grande Sertão: Veredas.  Espera-se que vários outros mosaicos sejam criados e implementados, especialmente no Cerrado,  Bioma que vem sendo rapidamente destruído pela expansão da fronteira agropecuária, representada principalmente pela produção de soja e carne, e a produção de carvão vegetal.


Parabéns à FUNATURA, executora do Projeto, ao FNMA/MMA pelo apoio, a todos os parceiros e comunidades envolvidas.


Para saber mais: www.funatura.org.br e www.mma.gov.br 


Mara Cristina Moscoso

maramoscoso@gmail.com


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MMA reconhece mosaico do Grande Sertão


Fonte: www.mma.gov.br

Paulenir Constancio


O mosaico de Unidades de Conservação Grande Sertão Veredas-Peruaçu foi oficialmente reconhecido hoje (27) pelo Ministério do Meio Ambiente. Portaria assinada pela ministra interina, Izabella Teixeira, institui o modelo de gestão que vai integrar dois parques nacionais, três estaduais, três áreas de proteção e uma reserva estadual, além de uma reserva particular do patrimônio natural.

As unidades de conservação mantêm sua autonomia de gestão e será criado um conselho, que contará também com representantes de várias entidades da sociedade civil, para ser consultado sobre as decisões que afetem o mosaico. O modelo é previsto pelo Sistema Nacional de Unidades de Conservação e tem como finalidade principal integrar UCs próximas e promover a criação de corredores ecológico, importantes para a preservação da biodiversidade.

A idéia básica é que em vez de parques-ilhas, o sistema de mosaico possa englobar diversas áreas para o trabalho conjunto. O processo, em andamento em várias regiões onde unidades de conservação guardam proximidade geográfica, já foi adotado em várias regiões. O modelo, financiado pelo Fundo Nacional do Meio Ambiente, requer a integração entre governos estadual, federal e municipal, muitas vezes em mais de um estado. As negociações para o Grande Sertão começaram há mais de dois anos.

O Parque Nacional Grande Sertão Veredas, com 231 mil 600 hectares, escapou por pouco de se transformar em monótona plantação de soja. Região imortalizada na obra do escritor Guimarães Rosa, que emprestou seu nome à UC, é formado por veredas e chapadões do cerrado de beleza natural incomparável. Já o parque nacional do Peruaçu fica numa das regiões com o maior número de cavernas naturais, o vale é importante ponto de visitação.