14/03/2009
Marta Eliana de Oliveira
Promotora de Justiça de Defesa do Meio Ambiente
O Ministério Público acompanha a elaboração do Plano Diretor de Ordenamento Territorial PDOT desde seu nascedouro. Ainda em 2005 ajuizou uma ação para que sua revisão aguardasse a aprovação do Zoneamento Ecológico-Econômico-ZEE/DF, instrumento apto a definir os usos e ocupações do solo com sustentabilidade, respeitando as limitações dos recursos naturais disponíveis. Nesse aspecto, o principal foco das preocupações do MP são os limitados recursos hídricos disponíveis para a expansão urbana excessiva proposta pelo Executivo, que avança inclusive com setores habitacionais sobre áreas de proteção de mananciais.
Todavia, o MP não obteve do Judiciário um provimento liminar que sustasse a revisão do Plano Diretor até a aprovação do ZEE, não obstante, para orientar a ocupação do território, por determinação da Lei Orgânica, o ZEE devesse ter ficado pronto em 1995. Fato é que não foi elaborado até hoje. O MP, durante o processo de elaboração do PDOT, expediu recomendações ao Executivo e ao Legislativo, visando prevenir futuras inconstitucionalidades e garantir a participação popular e a ampla publicidade das informações produzidas, obrigatórias nos Planos Diretores, nos termos do Estatuto da Cidade.
As recomendações recentemente endereçadas ao Legislativo não induzem à obrigatoriedade de acatamento, apenas alertam quanto ao fato de que, caso não sejam superadas as questões apontadas, advirão questionamentos passíveis de invalidar o PDOT, justamente para, a bem do interesse público, evitar que isto aconteça.
O Poder Legislativo é livre e soberano para acatar ou não as recomendações do MP. E o MP é livre e independente para questionar os atos legislativos eivados de ilegalidade. Tem sido explorado o fato de que o PDOT é imprescindível para a regularização dos condomínios e que o Governo tem pressa. O MP, inclusive para reverter o passivo ambiental provocado pela implantação dos condomínios irregulares, não só defende a regularização, como tomou medidas para concretizá-la, firmando com o GDF, em 2007, um Termo de Ajustamento de Conduta que a disciplina, o qual aborda a necessidade de aprovação do PDOT.
Entretanto, tais premências não justificam que o PDOT seja aprovado sem a delimitação dos perímetros das zonas e áreas que deve disciplinar para ordenar a qual categoria de zona urbana ou rural corresponde determinada porção do território, qual a delimitação das áreas de proteção de mananciais, etc.
O memorial descritivo é o instrumento destinado a delimitar o zoneamento com coordenadas precisas e constava, desde as versões preliminares, em dispositivo próprio, como parte integrante do PDOT, de forma a garantir que a aprovação das poligonais se verificasse no bojo do próprio Plano.
Entretanto, a Câmara Legislativa, em emenda aprovada no segundo turno, retirou do texto tal disposição. Ademais, delegou ao Poder Executivo a incumbência de elaborar o memorial descritivo no prazo de 90 dias após a publicação da lei de aprovação do PDOT.Assim, o PDOT foi aprovado sem delimitação precisa dos perímetros das zonas e das áreas que disciplina, pois, com a retirada do memorial descritivo que deveria integrá-lo, os Deputados Distritais aprovaram apenas os mapas constantes de anexos, mapas estes que, na verdade, são meras figuras ilustrativas, despidas de escala ou precisão.
Argumenta-se que a SEDUMA dispõe de mapas com coordenadas precisas em seu banco de dados. Ocorre que o Legislativo não aprovou os mapas constantes dos arquivos digitais da SEDUMA, mas as figuras ilustrativas imprecisas constantes dos anexos que acompanharam o PDOT.
A população do Distrito Federal nunca teve acesso a tais mapas da SEDUMA, nem, tampouco, o Legislativo. Logo, ao Executivo foi delegado o poder de elaborar o memorial descritivo do PDOT e, portanto, de delimitar de forma precisa o zoneamento do Distrito Federal, segundo critérios discricionários, de forma não participativa e sem publicidade.
Em agravamento à situação, verifica-se terem sido aprovados dispositivos absolutamente imprecisos, como aqueles que transformam em Zona Urbana de Expansão e Qualificação as regiões situadas a leste e a oeste da DF-140. A questão posta tem graves repercussões na gestão democrática do território, pois da forma como foi tratada redundou em prejuízos à efetiva participação popular, obrigatória no PDOT.
Como uma comunidade pode efetivamente participar da aprovação de um Plano Diretor sem debater a definição das delimitações de suas áreas e sem sequer ter acesso à informação que possa lhe trazer certeza quanto a estar inserida em zona urbana ou rural?
Ressalta-se que a atuação do Ministério Público é técnica e visa resguardar o ordenamento jurídico e preservar o meio ambiente paras as presentes e futuras gerações, sem qualquer conotação política. Tanto que foi no governo da atual oposição que o MP ajuizou ação contra a implantação do Setor Habitacional Catetinho em área de proteção de manancial; no governo anterior expediu recomendações contundentes à SEDUH sobre a inconstitucionalidade da proposta preliminar do PDOT; no atual governo celebrou o TAC da regularização dos condomínios, tendo,inclusive, mudado seu posicionamento histórico contrário à venda direta, dado ao interesse público prevalente, em cuja defesa permanece, independentemente de quem esteja no poder.
Por fim, convém esclarecer que, quando o MP exige a total transparência e publicidade dos atos praticados no Plano Diretor, o faz porque a lei assim o determina e é sua função precípua defender o ordenamento jurídico e não porque esteja pondo em dúvida a conduta ética e a honestidade de quem quer que seja.